Piano banal do outro andar...
A música em todo o caso, a música...
Aquilo que vem buscar o choro imanente
De toda criatura humana,
Aquilo que vem torturar a calma
Com o desejo duma calma melhor...
A música... Um piano lá em cima
Com alguém que o toca mal...
Mas é música...
Ah, quantas infâncias tive!
Quantas boas mágoas!
A música...
Quantas mais boas mágoas!
Sempre a música...
O pobre piano tocado por quem não sabe tocar.
Mas apesar de tudo é música.
Ah, lá conseguiu uma música seguida —
Uma melodia racional —
Racional, meu Deus!
Como se alguma coisa fosse racional!
Que novas paisagens de um piano mal tocado?
A música!... A música...!
(Álvaro de Campos, Poesia, 192, p. 501)