31 dezembro 2010

3287 dias com (poucos) Euros no bolso...

Nunca tive dinheiro para poder ter tédio à vontade.

(Bernardo Soares, Aforismos e afins, p. 24)


frente e verso da velha nota de cem escudos (100$00) com a efígie de Fernando Pessoa

29 dezembro 2010

Acordo Ortográfico (III)

É um imperialismo de gramáticos? O imperialismo dos gramáticos dura mais e vai mais fundo que o dos generais. [...]

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 90, p. 240)

28 dezembro 2010

115 anos da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière (1895)

Fitas de cinema correndo sempre
E nunca tendo um sentido preciso.

(Álvaro de Campos, “Carnaval”, Poesia, 6a, p. 68)

26 dezembro 2010

... e paz na Terra aos homens de boa-vontade!

A Igreja Católica Apostólica Romana é uma instituição de fins aparentemente religiosos, mas cuja acção real é a de, captando ou aprisionando os espíritos, pelo dogma, pelo misticismo ou pela superstição, os desviar de toda a integração que possam ter no progresso e no bem do género humano. À parte isto é uma instituição absolutamente internacional que, declarando-se, por depositária da Verdade, superior a todas as pátrias, forçosamente é inimiga de todas elas. Em palavras que resumem: a Igreja de Roma é o Anti-Homem e a Anti-Nação.

A Igreja de Roma é só aparentemente uma religião: os fenómenos religiosos são os seus meios, não os seus fins. Se a sua doutrina não se abonasse com textos, como o paganismo, que não tinha livros sagrados, poder-se-ia aceitar que ela fosse uma religião. Quando porém uma pretensa religião se abona com textos, e no seu dogma, nos seus processos e na sua prática repudia tudo quanto neles se contém, temos que concluir que não é uma religião mas uma força qualquer que para seus fins ou se envolve com a capa de uma religião, ou se serve da religião como processo de agir sobre o mundo.

(Fernando Pessoa, “Marcha sobre Roma”, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, pp. 263–264)

25 dezembro 2010

Natal

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.

(Fernando Pessoa, Poesia (1918–1930), p. 423)

23 dezembro 2010

Arte e Ciência

Science describes things as they are; Art as they are felt, as they are felt to be.

[ A Ciência descreve as coisas como são; a Arte como são sentidas, como se sente que são. ]

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, I, 3, p. 4;
em inglês no original; tradução com alterações)

21 dezembro 2010

«Períodos de chuva, por vezes forte [...]. Nas terras altas, vento forte a muito forte [...].» (Instituto de Meteorologia)

«Lluvia oblicua»*
Pintura de Juan Soler


* (Fernando Pessoa, “Chuva Oblíqua”, Poesia (1902–1917), pp. 214–218)

20 dezembro 2010

172 anos do nascimento de Edwin A. Abbott (1838)

Podemos ver uma árvore quadrada, ou azul...

(Álvaro de Campos, “O Sensacionismo”, Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 237)

17 dezembro 2010

Ser ou não ser: Paganismo, Cristianismo, Budismo

O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver o homem.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 148, p. 164)

15 dezembro 2010

A servidão mental

Haja ou não deuses, deles somos servos.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 21, p. 59)

13 dezembro 2010

Dia de “Santa” Luzia

Postal de Mário Alberto (2000)


(Homenagem à doçaria vila-realense e suas tradições.)

11 dezembro 2010

120 anos do nascimento de Carlos Gardel (1890)

Tango de pretos, fosses tu ao menos minuete!
Passai, absolutamente, passai!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 284)

10 dezembro 2010

20 anos da fundação do SOS Racismo (1990)

Odiamos o que quase somos.

We hate what we nearly are.

(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 17;
a tradução para inglês é do próprio Pessoa)

09 dezembro 2010

Dia Internacional do Combate à Corrupção

Porque não pugnar por que os homens competentes sejam postos nos lugares que lhes competem? Porque não abrir uma campanha em favor das realidades úteis, indiscutíveis — a abolição da corrupção na vida política, a eliminação dos empecilhos partidários, tanta coisa cuja justiça toda a gente vê.

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 91, p. 222)

08 dezembro 2010

Dia de Nossa Senhora da Conceição (ou, o que não é a mesma coisa, da Imaculada Conceição de Maria)

[...] Só a ciência hoje tem o respeito dos cultos. Nenhum homem culto hoje acredita, realmente acredita, por mais que creia, na Imaculada Conceição de Maria. [...]

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 319, pp. 353–354)

06 dezembro 2010

WikiLeaks e os “segredos” diplomáticos dos EUA

Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isto já to disse
Estavas farta de o saber...

(Fernando Pessoa, Quadras, I, 79, p. 30)

05 dezembro 2010

Dia Internacional do Voluntariado

Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso de altruísmo. Não há perigo desse excesso.

(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 21)

03 dezembro 2010

Dia Internacional da Pessoa com Deficiência

Eu sou corcunda desde a nascença e sempre riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quis mal a ninguém. Além disso sou doente, e nunca tive alma, por causa da doença, para ter grandes raivas. Tenho dezanove anos e nunca sei para que é que cheguei a ter tanta idade, e doente, e sem ninguém que tivesse pena de mim a não ser por eu ser corcunda, que é o menos, porque é a alma que me dói, e não o corpo, pois a corcunda não faz dor.

(Maria José, Pessoa por Conhecer, vol. II, 215, p. 256)

02 dezembro 2010

205 anos da Batalha de Austerlitz (1805)

Nem um impulso militar que tenha sequer o vago cheiro de um Austerlitz!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 282)

01 dezembro 2010

Pessoa, sempre — todos os dias: Dezembro de 2010

Calendário pessoano: Dezembro de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

30 novembro 2010

75 anos da morte de Fernando Pessoa (1935)

Late F A N Pessoa who is thought to have committed suicide: at least he blew up a country-house in which he was, dying he and several other people. [...]

[ O falecido F A N Pessoa que se supõe ter-se suicidado: pelo menos fez explodir uma casa de campo em que estava, morrendo ele e várias outras pessoas. [...] ]

(Faustino Antunes, Pessoa por Conhecer, vol. II, 22, p. 32;
em inglês no original; tradução com alterações)

110 anos da morte de Oscar Wilde (1900)

Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 470, p. 413)

29 novembro 2010

203 anos da fuga da família real portuguesa para o Brasil (1807)

Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui?
Quando, [...]
Do meio destas vontades involuntariamente
Tão contrárias à minha, tão contrárias a mim?!

Ah, navio que partes, que tens por fim partir,
Navio com velas, [...] navio com remos,
Navio com qualquer coisa com que nos afastemos,
Navio de qualquer modo deixando atrás esta costa,

(Álvaro de Campos, Poesia, 61, p. 292)

136 anos do nascimento de António Egas Moniz, Prémio Nobel da Medicina (1874)

[...] Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido [...]

(Fernando Pessoa, Textos Filosóficos, vol. I, IV, 50, p. 141)

25 novembro 2010

Golpe militar põe fim ao PREC, Processo Revolucionário Em Curso (1975)

A única utilidade das revoluções é serem destrutivas, e tornar patente a necessidade da construção; é serem anárquicas, e tornarem patente a necessidade da ordem; é serem sempre estrangeiras, e estimularem, por reacção, a acção contra-revolucionária, sempre nacional.

(Fernando Pessoa, “O Preconceito Revolucionário”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 46, p. 254)

24 novembro 2010

378 anos do nascimento de Baruch Espinosa (1632)

Spinoza. Here at last the genius appears, true genius, having that which Descartes had not, the fearlessness and the lack of respect for the established. Honours to the master-thinker who, prosecuted, hated, accurst, stood by truth, lived for truth, suffered for (the sake of) truth!

(Fernando Pessoa, Textos Filosóficos, vol. II, p. 203; em inglês no original)


[ Espinosa. Aqui finalmente surge o génio, verdadeiro génio, tendo aquilo que Descartes não tinha, a temeridade e a falta de respeito pelo estabelecido. Honras ao mestre-pensador que, perseguido, odiado, maldito, manteve-se com a verdade, viveu para a verdade, sofreu em prol da verdade! ]

22 novembro 2010

Iconografia pessoana

«O quarto de Bernardo Soares»
Pintura de Mário Botas (1982)

21 novembro 2010

316 anos do nascimento de François-Marie Arouet, dito Voltaire (1694)

Nós realizamos, modernamente, o sentido preciso daquela frase de Voltaire, onde diz que, se os mundos são habitados, a Terra é o manicómio do Universo.

(António Mora, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 299)

18 novembro 2010

Portugal 4 – Espanha 0

E para isto se fundou Portugal!

(Álvaro de Campos, Poesia, 20, p. 144)

286 anos da morte de Bartolomeu de Gusmão (1724)

Numa viagem oblíqua do meu leito de moribundo
Viagem em diagonal às dimensões dos objectos
Para o canto do tecto mais longe, a cama erguer-se-á do chão,
Erguer-se-á como um balão ridículo e seguirá

(Álvaro de Campos, “A Partida”, Poesia, 27b, p. 219)

17 novembro 2010

Reunião dos Ministros da Economia e das Finanças (Ecofin) da União Europeia

Homens-altos de Lilliput-Europa, passai por baixo do meu Desprezo!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 282)

16 novembro 2010

Dia Nacional do Mar

O mar é a religião da Natureza.

(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 30)

14 novembro 2010

A religião e a plebe

A religião é um mal necessário. Nenhum país pode viver sem religião, pela simples razão que a religião é a vida superior [...] da plebe, e nenhum país pode viver sem plebe.

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 64, p. 86)

11 novembro 2010

Dia de “São” Martinho

foto
«Fernando Pessoa, em flagrante delitro.»* (1929)

* Comentário manuscrito pelo próprio no verso da fotografia


(Fotobiografias do Século XX: Fernando Pessoa, pp. 156–157)

10 novembro 2010

3 anos do «¿Por qué no te callas?» (2007)

[...] quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

(Álvaro de Campos, “Poema em linha recta”, Poesia, 41, p. 262)



Cala-te aí, sendeiro! Deixa ouvir.
[...]
A besta não se calará?!

(Fernando Pessoa, Fausto — Tragédia Subjectiva, p. 142)

08 novembro 2010

336 anos da morte de John Milton (1674)

Milton foi o maior dos poetas modernos porque se serviu da mitologia cristã, em que acreditava, mas alterando-a a seu modo, como um grego à sua.

(António Mora, Pessoa Inédito, 149, p. 272)

07 novembro 2010

93 anos da Revolução Bolchevique (1917)*

O gado russo, aqueles animais a que se chama o povo russo... Há alguém que, a sério, julgue que a Revolução Russa transformou alguma coisa de fundamental? O Império do Czar vivia em anarquia governativa, em analfabetismo de letras e de energias; crê alguém que o bolchevismo eliminou a anarquia, crê alguém que o bolchevismo eliminou a tirania, crê alguém que o mero aparecimento de uns pobres cérebros românticos a mandar, sem a preparação científica para o pensamento ou para a acção [ ]
Os bolchevistas são cristãos sem religião; têm a mentalidade cristã, acreditam no milagre, porque julgam que uma sociedade se transforma de um dia para o outro [...].

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 11, p. 114)


* 25 de Outubro, no Calendário Juliano, então em uso na Rússia.

05 novembro 2010

13 anos da morte de Isaiah Berlin (1997)

[...] Meu filho: tenho visto muita coisa neste mundo, mas não vi ainda a liberdade.

(Fernando Pessoa, “5 Diálogos sobre a Tirania”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 72, p. 329)

02 novembro 2010

60 anos da morte de George Bernard Shaw (1950)

Fora tu, George Bernard Shaw, vegetariano do paradoxo, charlatão da sinceridade, tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de ti próprio, Irish Melody calvinista com letra da Origem das Espécies!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 279)

01 novembro 2010

532 anos da instauração da Inquisição em Espanha (1478)

I am sorry to say that I feel in myself the indication that if I had been born in Spain some [] centuries ago, I might have made a very good inquisitor.

[ Lamento dizer que detecto em mim a indicação de que se tivesse nascido em Espanha há uns [] séculos, poderia ter dado um excelente inquisidor. ]

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 8, p. 22; em inglês no original)

Pessoa, sempre — todos os dias: Novembro de 2010

Calendário pessoano: Novembro de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

30 outubro 2010

Deus

Nunca aprendi a existir.

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 17, p. 30)

27 outubro 2010

História

O historiador é um homem que põe os factos nos seus devidos lugares. Não é como foi; é assim mesmo.

(Álvaro de Campos, Aforismos e afins, p. 41)

24 outubro 2010

Discussão do Orçamento de Estado 2011

[...] esta fúnebre marcha de títeres tristes que é o deslizar diário da nossa vida nacional.

(António Mora, Pessoa por Conhecer, vol. II, 231, p. 273)

21 outubro 2010

Fernando Pessoa em Nova Iorque

Vídeo de Ricardo Cobra.
Poema de João Pedro Pais cantado por Ana Moura


http://www.youtube.com/watch?v=kc7iJQFPmaw

18 outubro 2010

476 anos do “Affaire des Placards”, afixação de cartazes críticos da doutrina católica nas ruas de Paris (1534)

[...] O cristismo é a inversão dos valores humanos. Não submergiu a sociedade, porque a sociedade tem, na sua própria constituição como tal, a maior defesa contra o cristismo. Não matou a vida humana. porque, para ser vida, ela tem que não deixar-se morrer. O cristismo nasceu na época da decadência romana. Ainda, na sua forma católica — a mais abjecta de todas, porque o protestantismo de certo modo impôs uma disciplina por via do seu latente paganismo nórdico — a religião cristã é uma religião da decadência romana. Quem vive dentro do cristianismo, vive ainda no império romano em decadência. Da sua origem o cristismo guarda os seus característicos. O que o berço dá a tumba o leva.

(António Mora, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 249)

17 outubro 2010

Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

(Álvaro de Campos, Poesia, 64, p. 297)

16 outubro 2010

156 anos do nascimento de Oscar Wilde (1854)

[...] Wilde, que nunca foi uma figura de destaque na literatura inglesa, mas apenas na sociedade inglesa e no meio literário londrino — o que não é a mesma coisa. A sua prosa pesada cai ou manca na civilização inglesa; [...]

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 244, p. 390)

13 outubro 2010

120 anos do “nascimento” de Álvaro de Campos (1890)

Assinatura de Álvaro de Campos


Carta astral de Álvaro de Campos,
manuscrita por Fernando Pessoa*


* Em carta a Adolfo Casais Monteiro, datada de 13 de Janeiro de 1935, Fernando Pessoa apresenta uma cronologia ligeiramente diferente: Álvaro de Campos teria nascido à 1h30 da tarde do dia 15 de Outubro. (Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 162, pp. 344–345)

10 outubro 2010

Dia Mundial da Saúde Mental

A alma humana é um manicómio de caricaturas.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 242, p. 238)

07 outubro 2010

Prémio Nobel da Literatura

[...] Estou agora completando uma versão inteiramente remodelada do Banqueiro Anarquista; essa deve estar pronta em breve e conto, desde que esteja pronta, publicá-la imediatamente. Se assim fizer, traduzo imediatamente esse escrito para inglês, e vou ver se o posso publicar em Inglaterra. Tal qual deve ficar, tem probabilidades europeias. (Não tome esta frase no sentido de Prémio Nobel imanente.) [...]

Referi-me, como viu, ao Fernando Pessoa só. Não penso nada do Caeiro, do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos. Nada disso poderei fazer, no sentido de publicar, excepto quando (ver mais acima) me for dado o Prémio Nobel. [...]

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 162, pp. 339–340)

05 outubro 2010

100 anos da Implantação da República (1910)

Num mar de mijo havia um penico sem tampa
Mesmo tapado tinha o que contém: só trampa.
Dum malídoro vento ele boia ao sabor
Que em si tem incerteza;
Eis o símbolo (deixo o detalhe ao leitor)
Da monarquia portuguesa.

(Joaquim Moura Costa, Pessoa Inédito, 202, p. 341)


Ilustração de Fernando Carvall

Monarquia Portuguesa vs. Primeira República: descubra as diferenças

[...] A República Velha falhou mesmo como fenómeno destrutivo: destruiu mal e destruiu por maus processos.

Destruiu mal porque destruiu pouco. Destruir a Monarquia não é só tirar o Rei: é também, é sobretudo substituir os tipos de mentalidade governantes por outros tipos de mentalidade. [...]

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 98, p. 243)



A República Velha nada alterou das tradições desonrosas da Monarquia. Mudou apenas a maneira de cometer os erros; os erros continuaram sendo os mesmos. Em vez de um regime católico, um regime anticatólico, isto é, um regime que logo arregimentava como inimigos os católicos. Em vez de uma República portuguesa, de um regime nacional, uma república francesa em Portugal. E assim como a Monarquia Constitucional havia sido um sistema inglês (ou anglo-francês) sobreposto à realidade da Pátria Portuguesa, a República Velha foi um sistema francês sobreposto à mesma realidade pátria. No que respeita aos erros de administração — a incompetência, a imoralidade, o caciquismo — ficámos na mesma, mudando apenas os homens que faziam asneiras, que praticavam roubos e que escamoteavam “eleições”. De sorte que a República Velha era a Monarquia sem Rei. [...]

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 101, p. 249)

03 outubro 2010

100 anos da morte de Miguel Bombarda (1910)

[...] The Portuguese Monarchy was overthrown by two regiments, two cruisers and a handful of civilians. The Portuguese Revolution, which no one expected, was caused by the shooting of a Republican leader, Prof. Bombarda, director of the Lisbon Lunatic Asylum, by a madman — an act which no one connected, or thought of connecting, with politics. Out of such minorities, and of such absurdities, does triumph emerge. [...]

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 120, pp. 367–368; em inglês no original)


[ [...] A Monarquia Portuguesa foi derrubada por dois regimentos, dois cruzadores e uma mão-cheia de civis. A Revolução Portuguesa, que ninguém esperava, foi causada pelo assassinato de um líder republicano, o Prof. Bombarda, director do Hospital Psiquiátrico de Lisboa, por um louco — um acto que ninguém ligou, ou pensou ligar, à política. De tais minorias, e de tais absurdos, é que o triunfo emerge. [...] ]

(p. 372; tradução com alterações)

01 outubro 2010

Pessoa, sempre — todos os dias: Outubro de 2010

Calendário pessoano: Outubro de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

30 setembro 2010

72 anos do Acordo de Munique, que entregou a região checa dos Sudetas à Alemanha Nazi (1938)

Sempre que, em qualquer coisa, tive um rival ou a possibilidade de um rival, desde logo abdiquei sem hesitar.

(Barão de Teive, A Educação do Estóico, p. 20)

27 setembro 2010

Dia Mundial do Turismo

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.

(Álvaro de Campos, Poesia, 34, p. 251)



Viajar! Perder países!

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 168)

26 setembro 2010

Dia Mundial do Coração

Sinto o coração como um peso inorgânico.

(Barão de Teive, A Educação do Estóico, p. 28)

Dia Europeu das Línguas

Now, taking not only the present but immediate future, in so far as it may be considered as developing on the embryo conditions of our time, there are only three languages with a popular future — English (which has already a widespread hold), Spanish and Portuguese. They are the languages spoken in America, and in so far as Europe means European civilization, Europe is becoming more and more settled in the Western continent. Such languages as French, German and Italian are never anything but European: they have no imperial power. So long as Europe was the world, they held their own, and even triumphed over the other three, for English was insular and Spanish and Portuguese right at the end. But when the world became the earth, the scene shifted.

It is therefore among these three languages that the future of the future will lie.


(Thomas Crosse, Pessoa Inédito, 108, p. 236; em inglês no original)


[ Ora, falando não só do presente mas também do futuro imediato, na medida em que este possa ser considerado como desenvolvendo-se a partir das condições embrionárias do nosso tempo, só há três línguas com um futuro popular — o Inglês (que já tem uma larga difusão), o Espanhol e o Português. São as línguas faladas na América, e na medida em que Europa significa civilização europeia, a Europa tem-se radicado cada vez mais no continente ocidental. Línguas como o Francês, o Alemão e o Italiano nunca serão senão europeias: não têm poder imperial. Enquanto a Europa foi o mundo, elas mantiveram a sua posição, e triunfaram mesmo sobre as outras três, pois o Inglês era insular e o Espanhol e o Português encontravam-se no seu extremo. Mas quando o mundo passou a ser o globo terrestre, este cenário alterou-se.

Será portanto entre estas três línguas que o futuro do futuro assentará. ]
(p. 237; tradução com alterações)

24 setembro 2010

Iconografia pessoana

Ilustração de Gilmar Fraga

22 setembro 2010

Dia Europeu sem Carros

E só os carros passam, passam — cessam depois para nós mesmos

(Álvaro de Campos, “Ode Marcial”, Poesia, 23d, p. 154)

21 setembro 2010

Dia Internacional da Paz

E ficou tudo na mesma [...]

(Álvaro de Campos, Poesia, 20, p. 144)

19 setembro 2010

123 anos do “nascimento” de Ricardo Reis (1887)

Assinatura de Ricardo Reis


Carta astral de Ricardo Reis,
manuscrita por Fernando Pessoa

14 setembro 2010

143 anos da publicação do volume I de O Capital, de Karl Marx (1867)

A liberdade individual não pode existir senão depois de conquistada a liberdade social, e, principalmente, a económica. [...]
Ora a liberdade económica existe pela existência do capital. É impossível universalmente; e o socialismo, em vez de ser uma libertação económica, é uma ausência completa de liberdade. O socialismo torna extensivo a toda a gente o servismo da maioria. Não são os escravos que querem libertar-se: são os escravos que querem escravizar tudo. Se eu sou corcunda, sejam todos corcundas.

(Fernando Pessoa, “Diálogos sobre a Tirania”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 77, p. 333)

11 setembro 2010

A intolerância de todas as fés

A tolerância é impossível ao crente verdadeiro de qualquer fé [...]. Quem tem a sua religião por verdadeira, e por certa só dentro dela a salvação das almas, não pode senão considerar como um crime de tal vulto, que excede todos os crimes deste mundo, o pregar outra religião, que não essa, ou o desviar dela aqueles que só nela terão sua salvação. Nada há pois que pasmar do espírito perseguidor dos inquisidores, dos puritanos, e de todos quantos têm deveras uma fé que supõem universal. [...]

(Fernando Pessoa, “Bandarra”, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 86, p. 236)

10 setembro 2010

Dia Mundial para a Prevenção do Suicídio

Cansa tanto viver! Se houvesse outro modo de vida!...

(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 19)

08 setembro 2010

2489 anos do início da Batalha de Termópilas (480 AC)*

Nem viúva nem filho lhe pôs na boca o óbolo, com que pagasse a Caronte. [...]

Morreu pela Pátria [...]. Deu a vida com toda a inteireza da alma: [...] por amor à Pátria, não por consciência dela. Defendeu-a como quem defende uma mãe, de quem somos filhos não por lógica, senão por nascimento. Fiel ao segredo primevo, não pensou nem quis, mas viveu a sua morte instintivamente, como havia vivido a sua vida. A sombra que usa agora se irmana com as que caíram em Termópilas, fiéis na carne ao juramento em que haviam nascido.

(Bernardo Soares, “Cenotáfio”, Livro do Desassossego, pp. 423–424)


* Data conjectural

06 setembro 2010

Fé, cepticismo, religião e irreligião

Pertenço a uma geração — suponho que essa geração seja mais pessoas que eu — que perdeu por igual a fé nos deuses das religiões antigas e a fé nos deuses das irreligiões modernas.

(Barão de Teive, A Educação do Estóico, p. 26)

04 setembro 2010

Egocentrismo

Há qualquer coisa de sórdido, e de tanto mais sórdido quanto é ridículo, neste uso, que têm os fracos, de erigir em tragédias do universo as comédias tristes das tragédias próprias.

(Barão de Teive, A Educação do Estóico, p. 52)

01 setembro 2010

Pessoa, sempre — todos os dias: Setembro de 2010

Calendário pessoano: Setembro de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

29 agosto 2010

185 anos do reconhecimento da independência do Brasil por Portugal (1825)

A «águia imperial», no primeiro caso é Napoleão, pois que A às avessas e com a perna do meio tirada e posta atrás dá N, inicial daquele nome. No segundo caso é D. Pedro IV, que fundou o Império do Brasil, e o A às avessas dá V, e pondo atrás a perna do meio dá IV.

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 48, p. 171)

27 agosto 2010

Liberdade e solidão

A liberdade é a possibilidade do isolamento. [...] Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 283, pp. 272–273)

25 agosto 2010

110 anos da morte de Friedrich Nietzsche (1900)

São inúmeros, em todo o mundo, os discípulos de Nietzsche, havendo alguns deles que leram a obra do mestre.

(Fernando Pessoa, Textos Filosóficos, vol. I, IV, 46, p. 135)

22 agosto 2010

Crédito malparado

[...] tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

(Álvaro de Campos, “Poema em linha recta”, Poesia, 41, p. 262)

20 agosto 2010

Iconografia pessoana

«Caeiro»
Fotogravura de Bartolomeu Cid dos Santos

18 agosto 2010

783 anos da morte de Gengis Khan (1227)

[...] uma heterogeneidade extraordinária de raças, extremamente diversas entre si, as quais não consistiam em meras hordas de meros bárbaros [...]

(Fernando Pessoa, “German War etc.”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 35, p. 222)

15 agosto 2010

241 anos do nascimento de Napoleão Bonaparte (1769)

Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

(Alberto Caeiro, “O Guardador de Rebanhos, VII”, Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 51)


Capa do livro O tamanho da minha altura (entre outras coisas)
Texto de Suzana Ramos, ilustrações de Marta Neto
(Assírio & Alvim, 2009)

13 agosto 2010

49 anos do início da construção do Muro de Berlim (1961)

Mais terrível de que qualquer [outro] muro, pus grades altíssimas a demarcar o jardim do meu ser, de modo que, vendo perfeitamente os outros, perfeitissimamente eu os excluo e mantenho outros.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 120, p. 142)

12 agosto 2010

103 anos do nascimento de Adolfo Rocha, futuro Miguel Torga (1907)

[...] Recebi, como v. me disse que receberia, o livro Rampa, de Adolfo Rocha. Passados uns dias — mais do que deveria ser — escrevi-lhe uma carta agradecendo o livro e dando, resumidamente, uma opinião. Como escrevi à pressa, para não demorar mais a resposta e o agradecimento, transferi a redacção para o sr. Eng. Álvaro de Campos, cujo talento para a concisão em muito sobreleva ao meu. O resumo da minha opinião, de cuja expressão o citado engenheiro se encarregou, é de que o livro é interessante (é, realmente, muito interessante) como sensibilidade, mas imperfeito e incompleto como uso dela; e é o uso da sensibilidade, e não a própria sensibilidade, que vale em arte. Não deixei de ser elogioso, até onde pude sê-lo; para além de onde podia sê-lo, confesso que o não fui.

Recebi, pouco depois, uma carta do Adolfo Rocha, que me deixou, durante um quarto de hora, perplexo sobre se deveria ou não responder. A carta é de alguém que se ofendeu na quarta dimensão. Não é bem áspera, nem é propriamente insolente, mas (a) intima-me a explicar a minha carta anterior, (b) diz que a minha opinião é a mais desinteressante que ele recebeu a respeito do livro dele, (c) explica, em diversos ângulos obtusos, que os intelectuais são ridículos e que a era dos Mestres já passou.

A carta não tinha, realmente, resposta necessária; achei pois melhor não responder. Que diabo responderia? Em primeiro lugar, é indecente aceitar intimações em matéria extrajudicial. Em segundo lugar, eu não pretendera entrar num concurso de opiniões interessantes. Em terceiro lugar, eu só poderia responder desdobrando em raciocínios as imagens de que, na minha pressa, o sr. Eng. Álvaro de Campos se servira em meu nome; e isso me colocaria numa situação de prosa ainda mais intelectual e ainda mais de Mestre (com maiúscula) do que a anterior. Desisti. Patere et abstine, recomendavam os Estóicos.

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 102, pp. 212–213)

10 agosto 2010

10 Ago. 610: Laylat al-Qadr, início da “revelação” do Corão a Maomé

Vejo que delirei.

(Fernando Pessoa, Fausto — Tragédia Subjectiva, p. 179)

07 agosto 2010

216 anos do último auto-de-fé em Lisboa (1794)

[...] A Inquisição, que queimava os infiéis e os suspeitos; as perseguições religiosas, que exterminavam os contrários — nada disso é tirania religiosa: tudo isso é tirania política. A tirania religiosa é outra, de mais subtil e depravada espécie. A tirania religiosa é de índole hereditária e pedagógica. Cada vez que, opresso pela vida e posto à prova pela amargura, me lembro, no auge da minha angústia, de rezar, de recorrer à ideia de Cristo — então sou servo da verdadeira tirania religiosa. [...] A tirania religiosa é esta, é isto. A outra, que queima infiéis e escorraça pagãos, essa, como te disse, é tirania política exercida em nome da religião. Onde a religião deixa de ter força política, essa tirania deixa de existir.

(Fernando Pessoa, “5 Diálogos”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 75, p. 331)

04 agosto 2010

432 anos da Batalha de Alcácer-Quibir (1578)

D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL


Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

(Fernando Pessoa, Mensagem, Primeira Parte, III, p. 109)

01 agosto 2010

Pessoa, sempre — todos os dias: Agosto de 2010

Calendário pessoano: Agosto de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

30 julho 2010

112 anos da morte de Otto von Bismarck (1898)

Os estadistas de primeira ordem, como Bismarck ou Cromwell, governaram sempre contra a opinião pública. Os estadistas de segunda ordem, como Napoleão, governaram sempre com ela.

(Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 58, p. 286)

28 julho 2010

Iconografia pessoana

Ilustração de Gilmar Fraga

27 julho 2010

40 anos da morte de Salazar (1970)

Salazar
Um cadáver emotivo
, artificialmente galvanizado por uma propaganda...

Duas qualidades lhe faltam — a imaginação e o entusiasmo. Para ele o país não é a gente que nele vive, mas a estatística dessa gente.
Soma, e não segue.

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 221, p. 365)

25 julho 2010

Proxeneta

Ganhando o pão da sua noite com o suor da fronte dos outros

(Álvaro de Campos, Poesia, 106, p. 373)

22 julho 2010

Dia da Aproximação do Pi (22/7 ≈ 3,142857143)

Aguarela de Hermenegildo Sábat
(Fonte: Público)

19 julho 2010

595 anos da morte de D. Filipa de Lencastre (1415)

D. FILIPA DE LENCASTRE


Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Graal,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

(Fernando Pessoa, Mensagem, Primeira Parte, II, p. 97)

18 julho 2010

Igreja Católica atribui a mesma gravidade à pedofilia e à ordenação de mulheres como padres

Maldita seja em toda a parte
A Igreja Católica
Maldita seja, com arte ou sem arte,
A Igreja Católica
E quando alguém por apanhar ar
Tiver uma cólica
E sinta preciso aliviar
Lembre-se sempre de bem cagar
Para a Igreja Católica.

Maldita seja, de rabo à vela,
A Igreja Católica
De toda retrete que seja capela
A Igreja Católica
Há só duas coisas a fazer para aquela
Igreja Católica
Cagar p’ra ela e mijar p’ra ela
Para a Igreja Católica.

Caguemos pois e tudo junto
Para a Igreja Católica
Até que o caso dê assunto
À Igreja Católica
Cagar também, também por cólica
Então ver-se-á e será ouvido
O que tem comido, e o que tem bebido,
O que tem sorvido e engolido
A Igreja Católica.

(Joaquim Moura Costa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 177, pp. 221–222.)



Notícia relacionada:
«Ordenamento de mulheres é crime a par da pedofilia para o Vaticano» (Público, 16/07/2010)

16 julho 2010

16 Jul. 622: Fuga de Maomé de Meca para Medina (Hégira, início do Calendário Islâmico)

[...] dada a ingenuidade da sua visão, era natural que caísse[] no erro egocêntrico comum a todos os profetas que profetizam com intenção.

(Fernando Pessoa, “Bandarra”, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 41, p. 147)

Profecias

A existência do dom de profecia é afirmada por muitos e negada por muitos. Na maioria dos casos, ou a linguagem profética é tão obscura que dela se pode fazer aplicação a qualquer facto, ou a abundância de pormenores é tão grande que dificilmente se encontrará um facto a que um ou outro dos pormenores se não possa ajustar. De sorte que o problema fundamental fica na mesma. Os que afirmam a existência do dom profético apontam o facto justificativo; os que lhe negam a existência apontam que qualquer facto, ainda que fosse contrário do que se deu, serviria igualmente, e portanto com igual inutilidade, de justificação.

(Fernando Pessoa, Crítica, p. 530)

14 julho 2010

221 anos da Revolução Francesa (1789)

Nenhuma nação se pode transformar senão em várias gerações. As revoluções nada transformam, apenas trazem a transformação. A Revolução Francesa atrasou o povo francês perto de cinquenta anos; o seu único produto visível mais próximo foi (curiosa ironia) meramente literário, e, ainda assim, o romantismo francês, primeira obra positiva da Revolução, surgiu, antes de mais nada e apesar de sofrendo da indisciplina mental que essa revolução causou, como reacção contra essa Revolução.

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 11, pp. 113–114)

11 julho 2010

Iconografia pessoana

«O Teatro íntimo do ser»
Pintura de Miguel Yeco (1986)

08 julho 2010

8 Jul. 1099: 15 000 Cruzados marcham em procissão em redor de Jerusalém para obter ajuda divina na conquista da cidade.

Apossar-te-ás do Império; dominarás em todo o Orbe e os muros de Jerusalém cairão debaixo dos teus ceptros.

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 31, p. 141)

05 julho 2010

05 de Julho de 1932: Salazar, o “Ditador da Finanças”, assume a chefia do Governo

O Prof. Salazar tem, em altíssimo grau, as qualidades secundárias da inteligência e da vontade. É o tipo do perfeito executor das ordens de quem tenha as primárias.

O chefe do Governo tem uma inteligência lúcida e precisa; não tem uma inteligência criadora ou dominadora. Tem uma vontade firme e concentrada, não a tem irradiante e segura. É um tímido quando ousa, e um incerto quando afirma. Tudo quanto faz se ressente dessa penumbra dos Reis malogrados.

Quando muito, na escala da governação pública, poderia ser o mordomo do país.

[...]

O Chefe do Governo não é um estadista: é um arrumador. Para ele o país não se compõe de homens, mas de gavetas. Os problemas do trabalho e da miséria, como há ele de entendê-los, se os pretende resolver por fichas soltas e folhas móveis?

A alma humana é irredutível a um sistema de deve e haver. É-o, acentuadamente, a alma portuguesa.

Às vezes aproxima-se do povo, de onde saiu. E traz-lhe uma ternura de guarda-livros em férias, que sente que preferiria afinal estar no escritório.

É sempre e em tudo um contabilista, mas só um contabilista. Quando vê que o país sofre, troca as rubricas e abre novas contas. Quando sente que o país se queixa, faz um estorno. A conta fica certa.

O Prof. Salazar é um contabilista. A profissão é eminentemente necessária e digna. Não é, porém, profissão que tenha implícitas directivas. Um país tem que governar-se com contabilidade, não deve governar-se por contabilidade.

Assistimos à cesarização de um contabilista.

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 222, p. 366)

01 julho 2010

Dia das Bibliotecas

«A Biblioteca»
Pintura de Alfredo Margarido (1988)

Pessoa, sempre — todos os dias: Julho de 2010

Calendário pessoano do mês de Julho de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

30 junho 2010

105 anos da publicação do artigo “On the Electrodynamics of Moving Bodies”, de Albert Einstein (1905)

[...] Convém ainda avisar esses mesmos leigos que a expressão «relatividade» é aqui empregada no seu sentido tradicional e lógico, e não no sentido, aliás infeliz e absurdo, em que se chama «da relatividade» à teoria de Einstein, que é simplesmente uma teoria, primeiro restrita, depois generalizada, do movimento relativo.

(Álvaro de Campos, “O que é a Metafísica?”, Crítica, p. 232)

27 junho 2010

105 anos da Revolta do Couraçado Potemkin (1905)*

Every reverse and disaster of the Russian army or navy is in such a way made the subject of a jest among us, that we seem to have nothing more amusing. Some of the Russian admirals, even after their death or their capture, have caused us outbursts of sniggering. The Czar himself, when dismayed by revolution and by war, and when in distress and in grief over his armies, appears to be taken by the British people as an animate joke of great value.

To us, Englishmen, of all men the most egotistic, the thought has never occurred that misery and grief ennoble, despicable and self-caused though they be. A drunken woman reeling through the streets is a pitiable sight. The same woman falling awkwardly in her drunkenness is, mayhap, an amusing spectacle. But this very same woman, drunken and awkward though she be, when weeping the death of her child is no contemptible nor ridiculous creature, but a tragic figure as great as your Hamlets and your King Lears.


(Charles Robert Anon, Carta ao “Natal Mercury”, 07–07–1905,
Correspondência (1905–1922), 1, pp. 13–14; em inglês no original)


[ Cada revés e cada desastre do exército ou da armada russos foram de tal modo objecto de chacota entre nós, que parece que não achamos nada mais divertido. Alguns almirantes russos, mesmo depois da sua morte ou captura, fizeram-nos explodir em apupos. O próprio Czar, quando desencorajado pela revolução e pela guerra, e quando em grande sofrimento e dor por causa dos seus exércitos, parece ser tomado pelo povo britânico como uma piada muito divertida.

A nós, ingleses, os mais egocêntricos de todos os homens, nunca ocorreu a ideia de que a infelicidade e a dor enobrecem, por mais desprezíveis e auto-infligidas que sejam. Uma mulher embriagada cambaleando pelas ruas é um espectáculo digno de pena. A mesma mulher, se cair desajeitadamente no seu estado de embriaguez, talvez seja um espectáculo divertido. Mas esta mesma mulher, por mais desajeitada e embriagada que esteja, quando chora a morte de um filho, não é uma criatura desprezível e ridícula, mas sim uma figura trágica, tão grande como os vossos Hamlets e os vossos Reis Lears. ]


(p. 15; trad. Manuela Parreira da Silva, com alterações)


* 14 de Junho, no Calendário Juliano, então em uso na Rússia.

24 junho 2010

882 anos da Batalha de São Mamede (1128)

D. TAREJA


As nações todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios,
Vela por nós!

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

(Fernando Pessoa, Mensagem, Primeira Parte, II, p. 89)

22 junho 2010

70 anos da capitulação da França perante a Alemanha Nazi (1940)

Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 280)

19 junho 2010

Vuvuzelas

Aquilo que vem torturar a calma

(Álvaro de Campos, Poesia, 192, p. 501)

18 junho 2010

16 junho 2010

106 anos da Odisseia de um dia de Leopold Bloom (1904)

ULISSES


O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

(Fernando Pessoa, Mensagem, Primeira Parte, II, p. 83)

13 junho 2010

122 anos do nascimento de Fernando Pessoa (1888)

Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.

(Álvaro de Campos, Poesia, 67, p. 305)


Assinatura de Fernando Pessoa


Carta astral de Fernando Pessoa,
feita pelo próprio

Fernando Pessoa, ele mesmo

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.

(Fernando Pessoa, Prosa Íntima e de Autoconhecimento, p. 101)

10 junho 2010

Dia de Portugal...

O POVO PORTUGUÊS


Talvez que seu coração
Dorme na passividade
De viver só na saudade
Numa saudosa ilusão.

(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), p. 49)

... de Camões...

Camões é Os Lusíadas. O lírico, em que os inferiores focam a admiração que os denota inferiores, era, como em outros épicos de sensibilidade também notável, apenas a excedência inorgânica do épico.

Não ocupa Os Lusíadas um lugar entre as primeiras epopeias do mundo; só a Ilíada, a Divina Comédia e o Paraíso Perdido ganharam essa elevação. Pertencendo, porém, à segunda ordem das epopeias, como a Jerusalém Libertada, o Orlando Furioso, a Faerie Queene — e, em certo modo, a Odisseia e a Eneida, que participam das duas ordens —, distingue-se Os Lusíadas não só destas epopeias, suas pares, senão também daquelas, suas superiores, em que é directamente uma epopeia histórica.

(Fernando Pessoa, “Luís de Camões”, Crítica, p. 215)

... e das Comunidades Portuguesas

Cartoon de Ricardo Campos


(Fernando Pessoa, “Entrevista sobre a Arte e a Literatura Portuguesas”, Crítica, p. 195)

O passado mitificado

Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 92, p. 121)

Pátria

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,

(Ricardo Reis, Poesia, II, 32, p. 64)

Nevoeiro

Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
[...]
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

(Fernando Pessoa, “Nevoeiro”, Mensagem, Terceira Parte, III, p. 191)

Iconografia pessoana

Aguarela de Hermenegildo Sábat
(Fonte: Público)

07 junho 2010

O endividamento pessoal numa só lição

[...] Dirigi-me para a repartição de João Correia de Oliveira para lhe pedir 5000 réis para devolver ao Mayer os 1500 reis para pequenas despesas. [...]

(Fernando Pessoa, Diário de 18–02–1913,
Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, p. 110)

04 junho 2010

4 de Junho de 1940: Fim da retirada de Dunquerque

Olhemos bem para estes inimigos. Mas há quem tenha coragem de os combater? Duvido. [...]

(Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 38, p. 231)

01 junho 2010

Pessoa, sempre — todos os dias: Junho de 2010

Calendário pessoano do mês de Junho de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

29 maio 2010

510 anos da morte de Bartolomeu Dias (1500)

EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS


Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

(Fernando Pessoa, Mensagem, Segunda Parte, V, p. 137)

28 maio 2010

84 anos da Revolução de 28 de Maio de 1926

Vindos [os republicanos] ao poder, e posta em prática a sua pseudo-reforma, viu logo o país que a abolição da Monarquia não tinha abolido a política monárquica, porque a imoralidade e o caciquismo continuaram. Era a adaptação dos recém-vindos ao meio governativo. Em um país imoral não se pode governar senão imoralmente. É de ordem biológica a razão. [...]

E vendo isto, o país, que é estúpido, virou-se contra os homens da República. É que o país tem a mentalidade dos idiotas e queria milagres. Supunham os portugueses que uma revolução traz benefícios; e supunham bem; mas supunham que os traz logo no dia seguinte [...]. Aquelas mentalidades ainda estavam no milagre. Incapazes de pensar cientificamente, não meditaram que o que se segue a uma revolução é a anarquia, anarquia tão profunda quanto o foi a tirania que a precedeu, e contra a qual reagiu essa revolução; e que só depois de ter passado o período anárquico da revolução é que lentamente chega o período das reformas, para o qual, afinal, a revolução foi instintivamente feita. [...]

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 98, p. 245)

26 maio 2010

Iconografia pessoana

Ilustração de Pedro Sousa Pereira para a edição de Mensagem pela Oficina do Livro (2006)

25 maio 2010

590 anos da nomeação do Infante D. Henrique (“o Navegador”) como Grão-Mestre da Ordem de Cristo (1420)

A CABEÇA DO GRIFO:
O INFANTE D. HENRIQUE


Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

(Fernando Pessoa, Mensagem, Primeira Parte, V, p. 117)

22 maio 2010

197 anos do nascimento de Richard Wagner (1813)

Os românticos tentaram juntar. Os interseccionistas procuram fundir. Wagner queria música + pintura + poesia. Nós queremos música x pintura x poesia.

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 134, p. 260)

20 maio 2010

1685 anos do início do I Concílio de Niceia, que adoptaria os primeiros dogmas do Cristianismo (325 DC)

Princípios absolutos, e por isso falsos; ridículos e por isso inestéticos

(Barão de Teive, A Educação do Estóico, p. 55)

18 maio 2010

Início das festividades de Pã, na Grécia Antiga

O deus Pã não morreu,
Cada campo que mostra
Aos sorrisos de Apolo
Os peitos nus de Ceres —
Cedo ou tarde vereis
Por lá aparecer
O deus Pã, o imortal.

Não matou outros deuses
O triste deus cristão.
Cristo é um deus a mais,
Talvez um que faltava.

Pã continua a dar
Os sons da sua flauta
Aos ouvidos de Ceres
Recumbente nos campos.

Os deuses são os mesmos,
Sempre claros e calmos,
Cheios de eternidade
E desprezo por nós,
Trazendo o dia e a noite
E as colheitas douradas
Sem ser para nos dar
O dia e a noite e o trigo
Mas por outro e divino
Propósito casual.

(Ricardo Reis, Poesia, II, 2, pp. 29–30)

16 maio 2010

Iconografia pessoana

Ilustração de João Pestana

14 maio 2010

62 anos da Fundação do Estado de Israel (1948)

Os judeus têm ganha a primeira batalha;

(Álvaro de Campos, “Entrevista a Álvaro de Campos”, Prosa Publicada em Vida, p. 346)

13 maio 2010

93 anos da primeira “aparição” de Fátima (1917)

Fátima é o nome de uma taberna de Lisboa onde às vezes... eu bebia aguardente.

Um momento... Não é nada disso... Fui levado pela emoção mais que pelo pensamento, e é com o pensamento que desejo escrever.

Fátima é o nome de um lugar da província, não sei onde ao certo, perto de um outro lugar do qual tenho a mesma ignorância geográfica mas que se chama Cova de qualquer santa. Nesse lugar — em um ou no outro — ou perto de qualquer deles, ou de ambos, viram um dia umas crianças aparecer Nossa Senhora, o que é, como toda a gente sabe, um dos privilégios infinitos a que se não parte a corda. Assim diz a voz do povo da província e A Voz sem povo de Lisboa. Deve portanto ser verdade, visto que é sabido que a voz das aldeias e A Voz da cidade de há muito substituíram aquelas velharias democráticas que se chamam, ou chamavam, a demonstração científica e o pensamento raciocinado. Depois de terem passado os últimos rastros do a que o sr. Léon Daudet chamou «o estúpido século dezanove» — embora seu pai houvesse florescido e o mesmo Léon nascido em plena estupidez —, as normas do pensamento e da verificação voltaram à sua normalidade medieval; e assim como passou a haver «liberdades» em vez de «liberdade», assim também passou a haver crenças em vez de crença, fés em vez de fé, e vários outros plurais ainda mais singulares.

O deplorável facto de que uma menina chamada Bernadette Soubirous se antecipara — e no estúpido etc! — a esta notável visão do celestial terrestrizado, despe-nos um pouco o manto, e um pouco nos entorta a coroa, da novidade. Enfim sempre era mesmo de uma Nossa Senhora geograficamente (e cronologicamente) diferente. Já o Chevalier de Cailly perguntava, no século ante-estúpido (o dezoito), dado que sempre que escrevia qualquer coisa, descobria que a Antiguidade a já havia dito, por que não teria essa tal Antiguidade vindo depois dele, pois então teria ele escrito primeiro.

Seja como for, o facto é que há em Portugal um lugar que pode concorrer e vantajosamente com Lourdes. Há curas maravilhosas, a preços mais em conta; há peregrinações que dispensam o comboio (criação do estúpido etc!), e quando, de vez em quando essa reminiscência da Idade Média — a camionete — se volta e alguém morre, há sempre o Diabo a quem acusar — diabolis ex machina —, quando se não queira, por um critério mais objectivo e científico (vide Alfredo Pimenta) reconhecer verdadeiros culpados a magos e bruxos que, como toda a gente sabe, formam o grosso da Maçonaria e da Associação do Registo Civil.

O negócio da religião a retalho, no que diz respeito à Loja de Fátima, tem tomado grande incremento, com manifesto êxtase místico da parte de hotéis, estalagens e outro comércio desses jeitos — o que, aliás, está plenamente de acordo com o Evangelho, embora os católicos não usem lê-lo — não vão eles lembrar-se de o seguir! Com efeito diz-se no Evangelho [de Mateus 6:31–33], cuidando-se de bens materiais, «Buscai-vos o Reino de Deus e todas essas coisas vos serão acrescentadas».

É certo que quem vai a Fátima não vai lá buscar o Reino de Deus, mas o da Nossa Senhora da região — aquela em que está aberto vinho novo. Deus, como se sabe, foi já substituído, sendo o Céu agora governado em regime soviético. Nossa Senhora — a de Lourdes e (ou) a de Fátima — é (place aux femmes!) Comissária do Povo da Saúde Pública. Daí as curas na policlínica da Cova da Iria.

(Fernando Pessoa, “Fátima”, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, pp. 274–277)

11 maio 2010

Visita do Papa Bento XVI a Portugal

O que a Igreja de Roma pensa ou deixa de pensar não interessa ao Estado português, pois que está ainda em vigor a Lei de Separação, e as bulas ou encíclicas do Papa não são leis do País.

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 135, p. 409)

07 maio 2010

70 anos da Concordata entre o Estado Novo e a Santa Sé (1940)

E a fé dos nossos maiores?
Forma-a, impoluta, o consórcio
Entre os padres e os doutores.
Casados o Erro e a Fraude,
Já não pode haver divórcio.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 411)

06 maio 2010

154 anos do nascimento de Sigmund Freud (1856)

[...] A psiquiatria nota, com efeito, que a desagregação psíquica é quase sempre acompanhada pelo desvio sexual. Quase sempre? A mais recente das teorias psiquiátricas diz que sempre. Freud e os seus discípulos, através da «psicanálise», afirmam a origem sexual de todas as psicoses. Justa ou não esta doutrina extrema, o certo é que a sexualidade domina os factos psíquicos tanto, se não mais, que os físicos; e que a sua importância notavelmente se vê quando se analisam as manifestações mentais de um louco ou de um degenerado.

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, V, 2, pp. 91–92)

04 maio 2010

Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)

A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

(Álvaro de Campos, “Pecado Original”, Poesia, 180, p. 483)

01 maio 2010

Pessoa, sempre — todos os dias: Maio de 2010

Calendário pessoano do mês de Maio de 2010
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

29 abril 2010

77 anos da morte de Constantino Cavafis (1933)

fotograma
Imagem do filme
A noite em que Fernando Pessoa
conheceu Constantino Cavafis

(Τη νύχτα που ο Φερνάντο Πεσσόα
συνάντησε τον Κωνσταντίνο Καβάφη
, 2007)
Realizador: Stelios Haralambopoulos
Fernando Pessoa: Dimitris Oikonomidis

26 abril 2010

Dia Mundial da Propriedade Intelectual

A UM PLAGIÁRIO

Copiaste? Fizeste bem.
Copia mais, sem canseira,
Copia, pilha, retém.
É a única maneira
De não escreveres asneira.

(Joaquim Moura Costa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 172, p. 218)

25 abril 2010

36 anos da Revolução de 25 de Abril de 1974, fim do regime do Estado Novo

Passai, bolor do Novo, mercadoria em mau estado desde o cérebro de origem!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 283)

23 abril 2010

394 anos da morte de William Shakespeare (1616) e, talvez, 446 anos do seu nascimento (1564)*

Uma torva e peçonhenta maldade — maldade excessiva mesmo para o coração, tão de ofício viperino, de um editor — levou os srs. Lello & Irmão, não sei [por que] azar póstumo de Shakespeare, a escolher para vítima prolongada aquela, a maior de todas as almas que se têm enganado de mundo. Decidiram fazer passar a Shakespeare tratos de tradutor. E como encontrassem vis e criminosos precedentes, em ambos os lugares onde há más fadas, para que, sem ousadia de originalidade, neles alicerçassem o seu grande crime, escolheram para mestre de obras a figura, doravante laivada de perversão, do dr. Domingos Ramos. [...]

(Fernando Pessoa, “Petição a favor de William Shakespeare, traduzido”, Pessoa Inédito, 93, p. 221)



* A data de nascimento de Shakespeare não é conhecida com exactidão, mas sabe-se que foi baptizado a 26 de Abril, sendo nessa altura habitual o baptismo ocorrer ao segundo ou terceiro dia de vida da criança; a tradição mantém que o escritor morreu no dia do seu 52.º aniversário.
Miguel de Cervantes morreu também a 23 de Abril de 1616, mas note-se que não no mesmo dia de Shakespeare: nessa altura a Inglaterra seguia ainda o calendário juliano, e não o gregoriano (adoptado no mundo católico em 1582), pelo que o autor espanhol morreu 10 dias antes do inglês.

Dia Mundial do Livro

Fernando Pessoa totalmente rodeado de livros
«Para ser grande, sê inteiro...»*
Pintura de Norberto Nunes


* (Ricardo Reis, Poesia, II, 136, p. 130)

22 abril 2010

510 anos da Descoberta do Brasil (1500)

E tu, Brasil «república irmã», blague de Pedro Álvares Cabral, que nem te queria descobrir!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 281)

20 abril 2010

126 anos da Encíclica Humanum Genus (Leão XIII), condenando a Maçonaria (1884)

A Igreja Católica ladra
E a Maçonaria passa.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 383)

18 abril 2010

59 anos do Tratado de Paris (1951), embrião da União Europeia

A Europa está farta de não existir ainda! [...]
A Europa quer passar de designação geográfica a pessoa civilizada!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 285)

16 abril 2010

7 anos do Tratado de Adesão à União Europeia de 10 novos países

[...] um polaco ou checo, ou qualquer coisa sem Europa nem vogais [...]

(Fernando Pessoa, Textos Filosóficos, vol. I, IV, 46, p. 135)

121 anos do “nascimento” de Alberto Caeiro (1889)

Alberto Caeiro (Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa; pormenor)
Painel gravado de José de Almada Negreiros (1961)


Carta astral de Alberto Caeiro,
manuscrita por Fernando Pessoa*


* Como muitas datas na cronologia do universos pessoano, também a data de “nascimento” de Alberto Caeiro não é consensual: Abril de 1889 surge mais frequentemente, mas Thomas Crosse, o ficcionado inglês divulgador da obra de Caeiro, aponta-lhe o nascimento para Agosto de 1887 e a morte para Junho de 1915. (Thomas Crosse, Pessoa por Conhecer, vol. II, 388, pp. 439–440)

13 abril 2010

Decadência absoluta

Isto está tudo decadente: já nem decadentes há.

(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 24)

12 abril 2010

806 anos do saque de Constantinopla pelos Cruzados (1204)

Decadentes, meu velho, decadentes é que nós somos...
No fundo de cada um de nós há uma Bizâncio a arder,
E nem sinto as chamas e nem sinto Bizâncio
Mas o Império finda nas nossas veias aguadas

(Álvaro de Campos, “Saudação a Walt Whitman”, Poesia, 24h, pp. 175–176)

11 abril 2010

77 anos da entrada em vigor da Constituição de 1933 (Estado Novo)

A República pragmática
Que hoje temos já não é
A meretriz democrática.
Como deixou de ser pública
Agora é somente Ré.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 383)

09 abril 2010

92 anos da Batalha de La Lys (1918)

Caeiro morto
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (pormenor)
Painel gravado de José de Almada Negreiros (1961)