Recebi, pouco depois, uma carta do Adolfo Rocha, que me deixou, durante um quarto de hora, perplexo sobre se deveria ou não responder. A carta é de alguém que se ofendeu na quarta dimensão. Não é bem áspera, nem é propriamente insolente, mas (a) intima-me a explicar a minha carta anterior, (b) diz que a minha opinião é a mais desinteressante que ele recebeu a respeito do livro dele, (c) explica, em diversos ângulos obtusos, que os intelectuais são ridículos e que a era dos Mestres já passou.
A carta não tinha, realmente, resposta necessária; achei pois melhor não responder. Que diabo responderia? Em primeiro lugar, é indecente aceitar intimações em matéria extrajudicial. Em segundo lugar, eu não pretendera entrar num concurso de opiniões interessantes. Em terceiro lugar, eu só poderia responder desdobrando em raciocínios as imagens de que, na minha pressa, o sr. Eng. Álvaro de Campos se servira em meu nome; e isso me colocaria numa situação de prosa ainda mais intelectual e ainda mais de Mestre (com maiúscula) do que a anterior. Desisti. Patere et abstine, recomendavam os Estóicos.
(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 102, pp. 212–213)