31 março 2013

Quatro anos. Valete, Fratres!

«Não cites Fernando Pessoa em vão.»
Stencil de autor desconhecido (Bairro Alto, Lisboa)
Fotografia de Pedro Jubilot


O primeiro post deste blogue, reza a lenda, foi publicado há precisamente 4 anos. O objectivo a que nos propúnhamos era mostrar que «o “Universo Pessoa” é tão vasto, que seria possível citá-lo a propósito de quase tudo» (e, pensando bem, também a propósito de nada). Após 905 posts, em contexto ou fora dele, cremos bem que o conseguimos. Pelo caminho, esperamos ter estimulado alguém a ler Pessoa(s): nunca é em vão. (O mais provável, porém, é termos estado apenas a falar para uns poucos já “convertidos”.)

Quatro anos é muito tempo. Quatro é também um número apropriadamente pessoano: Caeiro, Reis, Campos, Pessoa.

Este blogue acaba aqui. Valete, Fratres!


Maria Filomena + Fernando Gouveia

(Fernando Pessoa, “Nevoeiro”, Mensagem, Terceira Parte, III, p. 191)

Páscoa chuvosa

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no facto de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...

(Fernando Pessoa, “Chuva Oblíqua, II”, Poesia (1902–1917), p. 215)

Mudança para a hora de Verão

«Hora Absurda»
Desenho de Cruzeiro Seixas

(Fernando Pessoa, “Hora Absurda”, Poesia (1902–1917), pp. 180–183)

29 março 2013

Sexta-feira “Santa”

Cabeça augusta, que uma luz contorna,
Que há entre mim e o mundo que me faz
(Porque em espinhos a auréola se torna?)
Ansiar a minha morte e a tua paz?

A tua história — Pilatos ou Caifás
Quem tem? São sonhos que o narrar transtorna.
Não é esse o Calvário a que te traz
Tua sina onde todo o fel se entorna.

Não. É em mim que se o Calvário ergueu.
É em meu coração abandonado
Que Ele, cabeça augusta, alto sofreu.

Quem na Cruz onde está ermo e pregado
O pregou? Foi Romano ou foi Judeu?
Bate-me o coração. Meu Deus, fui eu!

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 126)

27 março 2013

Dia Mundial do Teatro

Três publicações, afora a nossa, nasceram há pouco para a pretensão de serem lidas.
Uma é a «revista de arte» Teatrália, [...]
[...]
A primeira é especialmente adorável.
É proveniente da iniciativa dos alunos da Escola da Arte de Representar. E é ante-simpática ao mero ainda-não leitor dela porque nos enreda logo com uma vantagem — que os alunos da dita escola enquanto escrevem não representam.
O conhecimento da revista é, porém, um pouco ensombrador desta vantagem antevista. É talvez, e apesar de tudo, melhor que os alunos representem.

(Fernando Pessoa, “3”, Crítica, p. 84)

«Sou do tamanho do que vejo» (Peripécia Teatro)

Dia Mundial do Circo

«Estudo para Álvaro de Campos»
Desenho de Cruzeiro Seixas

26 março 2013

121 anos da morte de Walt Whitman (1892)

A magnificent type of poet who will survive by representativeness is Walt Whitman. Whitman has all modern times in him, from cruelty [?] to engineering, from humanitarian tendencies to the hardness of intellectuality — he has all this in him. He is far more permanent than (Schiller or) Musset, for instance. He is the medium of Modern Times. His power of expression is as consummate as Shakespeare’s. [...]

(Fernando Pessoa, “Impermanence”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 45, p. 273;
em inglês no original)



[ Um tipo magnífico de poeta que sobreviverá pela sua representatividade é Walt Whitman. Whitman encerra em si todos os tempos modernos, da crueldade [?] à engenharia, da ternura humanitária à dureza da intelectualidade — tudo isto ele contém em si próprio. É muito mais permanente do que (Schiller ou) Musset, por exemplo. É o veículo dos Tempos Modernos. O seu poder de expressão é tão consumado como o de Shakespeare. [...] ]

(idem, p. 274; trad. Jorge Rosa)

25 março 2013

23 março 2013

Dia Mundial da Meteorologia

Ameaçou chuva. E a negra
Nuvem passou sem mais...

(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), p. 253)

21 março 2013

Dia Mundial da Floresta

Uma árvore é Deus todo.

(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), p. 324)

Dia Mundial da Poesia

A inspiração poética é um delírio equilibrado (mas sempre um delírio).

(Alexander Search, Aforismos e afins, p. 60)




É preciso acabar com o mito do poeta inspirado.

(Álvaro de Campos, Aforismos e afins, p. 61)

19 março 2013

Dia do Pai

18 março 2013

169 anos do nascimento de Nikolai Rimsky-Korsakov (1844)

SCHEHERAZAD

(Rimsky Korsakov)

Conta-me contos até não haver
Mais em mim que morrer...
Até que num espaço entre vida e morte
Se passe a minha sorte...

Conta-me contos, lendas, suaves, tanto
Que seja(m) uma só coisa
Elas e o seu indefinido encanto...

[...]

Ah, conta, conta, e a vida esqueça em tudo!
Conta, meus gestos tragam o veludo
De serem só inadequadamente...
Conta... E que ouvindo-te, sem querer,
Como uma música que vem, meu ser
Passe de pertencer ao mundo vão
E fique a ser eternamente
Uma figura num conto teu
Qualquer coisa em teu mundo
Vive só na tua imaginação.

Ah, mais vale sonhar estar-te ouvindo
Que ouvir-te! Conta... Vindo
De ti, os contos passam devagar
E a sua pompa é todo o céu e o ar...

Conta... O silêncio abre alas de cetim
Do teu conto até mim...
Um séquito de sombras é de prata
No que em ti se desata
De pertencer-me e vem até aos dedos
Com que desfolhas esses vãos segredos...

O sultão escutava-te eu a ouvir...
Ouvi a tua voz só por possuir
O sentido oposto do teu conto...
Tudo erra música que te narrava...
[...]

Scheherazad — quantas coisas
Ficaram por contar que tu contaste...
(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), pp. 345–346)



* 6 de março, segundo o calendário juliano, então em uso na Rússia.

16 março 2013

54 anos da morte de António Botto (1959)

António Botto é o único português, dos que conhecidamente escrevem, a quem a designação de esteta se pode aplicar sem dissonância. Com um perfeito instinto ele segue o ideal a que se tem chamado estético, e que é uma das formas, se bem que a ínfima, do ideal helénico. Segue-o, porém, a par de com o instinto, com uma perfeita inteligência, porque os ideais gregos, como são intelectuais, não podem ser seguidos inconscientemente.
[...]
Se tivermos presentes estas considerações na análise do livro de António Botto, não nos será difícil determinar que esse livro representa uma das revelações mais raras e perfeitas do ideal estético, que se podem imaginar.
[...]

(Fernando Pessoa, “António Botto e o Ideal Estético em Portugal”, Crítica, pp. 173 e 180;
publicado originalmente na revista Contemporânea n.º 3, de Julho de 1922)



Meu querido José Pacheco:

Venho escrever-lhe para o felicitar pela sua Contemporânea, para lhe dizer que não tenho escrito nada, e para pôr alguns embargos ao artigo do Fernando Pessoa.
[...]
Ideal estético, meu querido José Pacheco, ideal estético! Onde foi essa frase buscar sentido? E o que encontrou lá quando o descobriu? Não há ideias nem estéticas senão nas ilusões que nós fazemos deles. O ideal é um mito da acção, um estimulante como o ópio ou a cocaína: serve para sermos outros, mas paga-se caro — com o nem sermos quem poderíamos ter sido.
[...]

(Álvaro de Campos, “De Newcastle-on-Tyne Álvaro de Campos Escreve à Contemporânea”, Crítica,
pp. 186–187; publicado originalmente na revista Contemporânea n.º 4, de Outubro de 1922)

15 março 2013

... que o ministro Vítor Gaspar hoje* não está para ti

Volta amanhã, realidade!

(Álvaro de Campos, Poesia, 140, p. 428)


52 anos dos Massacres de Nambuangongo (Angola), início da Guerra Colonial (1961)

(Malhas que o Império tece!)

(Fernando Pessoa, “O menino da sua mãe”, Poesia (1918–1930), pp. 252–253)

14 março 2013

Eleição do jesuíta argentino Jorge Bergoglio como Papa (Francisco I)

[...] Nem consta que com ela alguém lucrasse, excepto [...] a Companhia de Jesus, que, por processos que não vêm ao caso, conseguiu, através dela, consolidar ainda mais a sua posição junto do Vaticano. Quem quiser conclusões que as tire: estão aqui o poço e o balde.

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 150, p. 421)

134 anos do nascimento de Albert Einstein (1879)

homem a tocar violino
«Deus quer, o homem cria, a obra nasce...»*
Pintura de Norberto Nunes


* (Fernando Pessoa, “O Infante”, Mensagem, Segunda Parte, I, p. 127)

13 março 2013

99 anos do «dia triunfal» da vida de Fernando Pessoa (1914) — data alternativa

Eu sou uma antologia.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 117)



Abismo de ser muitos! [...]

(idem, p. 472)


Nota: Ver post do dia 13 de Março de 2012 para o texto em que Pessoa apresenta esta data como a do surgimento do heterónimo Alberto Caeiro; ver post do dia 8 de Março de 2010 para o texto em que Fernando Pessoa apresenta uma data alternativa.


Animação a partir de desenhos de Cristiano Sardinha

11 março 2013

Localismo vs. Universalismo

[...] Amar a nossa terra não é gostar do nosso quintal. [...]

(Fernando Pessoa, “Entrevista sobre a Arte e a Literatura Portuguesas”, Crítica, p. 197)

08 março 2013

Dia Internacional da Mulher

[...] The women of Dickens are cardboard and sawdust to pack his men to us on the voyage from the space of dream. The joy and zest of life does not include woman [...].

Dickens’ women are dolls, but all women are dolls. As some thinkers upheld it at Nicea (?), women have no souls. Their existence is bi-dimensional to the tri-dimensional psychism of men. Women are merely ornaments to man’s life — of his life as an animal, as enabling him to satisfy an instinct, of his life as a social being, as enabling him to continue the society he lives in and, working for, creates anew, of his life as an intellectual being as a decorative part of the outer world, with landscapes, china, pictures, old furniture... [...]


(Fernando Pessoa, “Charles Dickens”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, IX, 8, pp. 308–309;
em inglês no original)



[ [...] As mulheres de Dickens são cartão e serradura para acondicionar os seus homens na viagem desde os espaços oníricos. Na alegria e entusiasmo da vida não há lugar para a mulher [...].

As mulheres de Dickens são bonecas, mas todas as mulheres, afinal, o são. Como alguns pensadores afirmaram em Niceia (?), as mulheres não têm alma. A sua existência é bidimensional comparada com o psiquismo tridimensional do homem. As mulheres são meros ornamentos da vida do homem — da sua vida como animal, na medida em que lhe permite satisfazer um instinto, da sua vida como ser social, na medida em que lhe permite continuar a sociedade em que vive e que recria ao contribuir para ela, da sua vida como ser intelectual, como parte decorativa do mundo externo, com paisagens, louças, quadros, mobiliário antigo... [...] ]


(idem, p. 310; trad. Jorge Rosa)

99 anos do «dia triunfal» da vida de Fernando Pessoa (1914)

O que Fernando Pessoa escreve pertence a duas categorias de obras, a que poderemos chamar ortónimas e heterónimas. Não se poderá dizer que são anónimas e pseudónimas, porque deveras o não são. A obra pseudónima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterónima é do autor fora de sua pessoa, é de uma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu.

As obras heterónimas de Fernando Pessoa são feitas por, até agora, três nomes de gente — Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos. Estas individualidades devem ser consideradas como distintas da do autor delas. Forma cada uma uma espécie de drama; e todas elas juntas formam outro drama. Alberto Caeiro, que se tem por nascido em 1889 e morto em 1915, escreveu poemas com uma, e determinada, orientação. Teve por discípulos — oriundos, como tais, de diversos aspectos dessa orientação — aos outros dois: Ricardo Reis, que se considera nascido em 1887, e que isolou naquela obra, estilizando, o lado intelectual e pagão; Álvaro de Campos, nascido em 1890, que nela isolou o lado por assim dizer emotivo, a que chamou «sensacionista», e que — ligando-o a influências diversas, em que predomina, ainda que abaixo da de Caeiro, a de Walt Whitman — produziu diversas complicações, em geral de índole escandalosa e irritante, sobretudo para Fernando Pessoa, que em todo o caso não tem remédio senão fazê-las e publicá-las, por mais que delas discorde. As obras destes três poetas formam, como se disse, um conjunto dramático; e está devidamente estudada a entreacção intelectual das personalidades, assim como as suas próprias relações pessoais. Tudo isto constará de biografias a fazer, acompanhadas, quando se publiquem, de horóscopos e, talvez, de fotografias. É um drama em gente, em vez de em actos.

(Se estas três individualidades são mais ou menos reais que o próprio Fernando Pessoa — é problema metafísico, que este, ausente do segredo dos Deuses, e ignorando portanto o que seja realidade, nunca poderá resolver.)

(Fernando Pessoa, “Tábua Bibliográfica — Fernando Pessoa”, Crítica, pp. 404–405)



Em torno do meu mestre Caeiro havia, como se terá depreendido destas páginas, principalmente três pessoas — o Ricardo Reis, o António Mora e eu. [...]

O Ricardo Reis era um pagão latente, desentendido da vida moderna e desentendido daquela vida antiga, onde deveria ter nascido — desentendido da vida moderna porque a sua inteligência era de tipo e qualidade diferente; desentendido da vida antiga porque a não podia sentir, pois se não sente o que não está aqui. [...]

O António Mora era uma sombra com veleidades especulativas. Passava a vida a mastigar Kant e tentar ver com o pensamento se a vida tinha sentido. [...]

Por mim, antes de conhecer Caeiro, eu era uma máquina nervosa de não fazer coisa nenhuma. Conheci o meu mestre Caeiro mais tarde que o Reis e o Mora, que o conheceram, respectivamente, em 1912 e 1913. Conheci Caeiro em 1914. Já tinha escrito versos — três sonetos e dois poemas («Carnaval» e «Opiário»). Esses sonetos e estes poemas mostram o que eu sentia quando estava sem amparo. Logo que conheci Caeiro, verifiquei-me. Cheguei a Londres e escrevi imediatamente a «Ode Triunfal». E de aí em diante, por mal ou por bem, tenho sido eu.

Mais curioso é o caso do Fernando Pessoa, que não existe, propriamente falando. Este conheceu Caeiro um pouco antes de mim — em 8 de Março de 1914, segundo me disse. Nesse mês, Caeiro viera a Lisboa passar uma semana e foi então que o Fernando o conheceu. Ouviu ler O Guardador de Rebanhos. Foi para casa com febre (a dele), e escreveu, num só lance ou traço, a «Chuva Oblíqua» — os seis poemas.

(Álvaro de Campos, “Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro”, 8,
Poemas Completos de Alberto Caeiro, pp. 161–162)

06 março 2013

Iconografia pessoana

Ilustração de Helder Oliveira
para a revista Actual (Expresso)

04 março 2013

619 anos do nascimento do Infante D. Henrique (1394)

AO INFANTE


Senhor, a obra fica e o homem passa.
Mas a obra é o homem. Só estas canções
No fundo incerto e oceânico da raça
E anónimos, longes corações.
Em torno de mim, se de mim mesmo corro
O som ruído da onda e as praias toco
Do Largo no abismo do meu ser,
Pairam as naus perdidas que encontraram
O por-achar e em mares se abismaram
Para além do Regresso e do Esquecer.

Parte quem fica quando a Alma manda.
Em mil naus a Vossa alma reviveu
E no universo, de uma a outra banda
Do que se achou e que se conheceu,
Vossa Presença Eterna violou
As portas de ouro com que Deus fechou
O oriente de luz e o ocaso morto...
Vosso espírito ainda nos consuma
E obre as novas naus em nós a suma
Vitória de não quererem nunca o porto.

(Fernando Pessoa, Poesia (1918–1930), p. 172)

02 março 2013

94 anos da fundação da Terceira Internacional Comunista (1919)

[...] foram[-me] sempre origem de repugnância e asco todas as formas do internacionalismo, que são três: a Igreja de Roma, a finança internacional e o comunismo.

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 67, p. 88)

01 março 2013

21 anos do início da Guerra da Bósnia (1992)

Of the Balkan peoples the least said the better; they have no pretension even to being civilized. Their very strength is that of uncivilized people — their qualities of combativeness, [...]

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 168, p. 298; em inglês no original)



[ Dos povos Balcânicos quanto menos se disser melhor; eles não têm mesmo nenhuma pretensão a ser civilizados. A sua verdadeira força é a do povo incivilizado — as suas qualidades de combatividade; [...] ]

(idem, p. 299)

Pessoa, sempre — todos os dias: Março de 2013

Calendário pessoano: Março de 2013

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.