Que há entre mim e o mundo que me faz
(Porque em espinhos a auréola se torna?)
Ansiar a minha morte e a tua paz?
A tua história — Pilatos ou Caifás
Quem tem? São sonhos que o narrar transtorna.
Não é esse o Calvário a que te traz
Tua sina onde todo o fel se entorna.
Não. É em mim que se o Calvário ergueu.
É em meu coração abandonado
Que Ele, cabeça augusta, alto sofreu.
Quem na Cruz onde está ermo e pregado
O pregou? Foi Romano ou foi Judeu?
Bate-me o coração. Meu Deus, fui eu!
(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 126)