05 julho 2010

05 de Julho de 1932: Salazar, o “Ditador da Finanças”, assume a chefia do Governo

O Prof. Salazar tem, em altíssimo grau, as qualidades secundárias da inteligência e da vontade. É o tipo do perfeito executor das ordens de quem tenha as primárias.

O chefe do Governo tem uma inteligência lúcida e precisa; não tem uma inteligência criadora ou dominadora. Tem uma vontade firme e concentrada, não a tem irradiante e segura. É um tímido quando ousa, e um incerto quando afirma. Tudo quanto faz se ressente dessa penumbra dos Reis malogrados.

Quando muito, na escala da governação pública, poderia ser o mordomo do país.

[...]

O Chefe do Governo não é um estadista: é um arrumador. Para ele o país não se compõe de homens, mas de gavetas. Os problemas do trabalho e da miséria, como há ele de entendê-los, se os pretende resolver por fichas soltas e folhas móveis?

A alma humana é irredutível a um sistema de deve e haver. É-o, acentuadamente, a alma portuguesa.

Às vezes aproxima-se do povo, de onde saiu. E traz-lhe uma ternura de guarda-livros em férias, que sente que preferiria afinal estar no escritório.

É sempre e em tudo um contabilista, mas só um contabilista. Quando vê que o país sofre, troca as rubricas e abre novas contas. Quando sente que o país se queixa, faz um estorno. A conta fica certa.

O Prof. Salazar é um contabilista. A profissão é eminentemente necessária e digna. Não é, porém, profissão que tenha implícitas directivas. Um país tem que governar-se com contabilidade, não deve governar-se por contabilidade.

Assistimos à cesarização de um contabilista.

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 222, p. 366)