A Igreja de Roma é só aparentemente uma religião: os fenómenos religiosos são os seus meios, não os seus fins. Se a sua doutrina não se abonasse com textos, como o paganismo, que não tinha livros sagrados, poder-se-ia aceitar que ela fosse uma religião. Quando porém uma pretensa religião se abona com textos, e no seu dogma, nos seus processos e na sua prática repudia tudo quanto neles se contém, temos que concluir que não é uma religião mas uma força qualquer que para seus fins ou se envolve com a capa de uma religião, ou se serve da religião como processo de agir sobre o mundo.
(Fernando Pessoa, “Marcha sobre Roma”, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, pp. 263–264)