A desastrada argumentação que citaria para o caso as circunstâncias que oprimiram Galileu e Servet, esqueceria sem dúvida que estava confundindo o predomínio religioso com a falta de civilização. São dois factos que importa não confundir. Se nós víssemos que nesses tempos as penalidades criminais eram de uma suavidade enorme, que eram de uma leniência acentuada as sentenças dos juízes, e que ao mesmo tempo esses hereges aparecessem queimados, enforcados, mortos, seria então o caso de atribuir à religião uma culpa que ela efectivamente teria. Mas a religião defendia-se, como é natural, e defendia-se com as armas do tempo; com as mesmas armas com que se defendia qualquer estado. [...]
(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 235 , p. 282)