12 agosto 2012

2041 anos da morte de Cleópatra (30 AC)

Na sombra Cleópatra jaz morta
Chove.

Embandeiraram o barco de maneira errada.
Chove sempre.

Para que olhas tu a cidade longínqua?
Tua alma é a cidade longínqua.
Chove friamente.

E quanto à mãe que embala ao colo um filho morto —
Todos nós embalamos ao colo um filho morto.
Chove, chove.

O sorriso triste que sobra a teus lábios cansados,
Vejo-o no gesto com que os teus dedos não deixam os teus anéis.
Porque é que chove?

(Fernando Pessoa, “Episódios: A Múmia, II”, Poesia (1902–1917), p. 436)