Que aos outros deuses que te precederam
Na memória dos homens.
Nem mais nem menos és, mas outro deus.
No Panteão faltavas. Pois que vieste
No Panteão o teu lugar ocupa,
Mas cuida não procures
Usurpar o que aos outros é devido.
Teu vulto triste e comovido sobre
A estéril dor da humanidade antiga
Sim, nova pulcritude
Trouxe ao antigo panteão incerto.
Mas que os teus crentes te não ergam sobre
Outros, antigos deuses que dataram
Por filhos de Saturno
De mais perto da origem igual das coisas,
E melhores memórias recolheram
Do primitivo caos e da Noite
Onde os deuses não são
Mais que as estrelas súbditas do Fado.
Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo.
Tu não és mais que um deus a mais no eterno
Panteão que preside
À nossa vida incerta.
Nem maior nem menor que os novos deuses,
Tua sombria forma dolorida
Trouxe algo que faltava
Ao número dos divos.
Por isso reina a par de outros no Olimpo,
Ou pela triste terra se quiseres
Vai enxugar o pranto
Dos humanos que sofrem.
Não venham, porém, estultos teus cultores
Em teu nome vedar o eterno culto
Das presenças maiores
Ou parceiras da tua.
A esses, sim, do âmago eu odeio
Do crente peito, e a esses eu não sigo,
Supersticiosos leigos
Na ciência dos deuses.
Ah, aumentai, não combatendo nunca.
Enriquecei o Olimpo, aos deuses dando
Cada vez maior força
Pelo número maior.
Basta os males que o Fado as Parcas fez
Por seu intuito natural fazerem.
Nós homens nos façamos
Unidos pelos deuses.
(Ricardo Reis, Poesia, Anexo B, 37a & 37b, pp. 178–180)