(Fernando Pessoa, Textos Filosóficos, vol. I, IV, 46, p. 136)
30 março 2010
(I)moralidade
O que você acrescenta sobre os deveres morais podia tornar-se extensivo aos deveres imorais. Chegámos a um ponto da civilização em que há tais exigências de imoralidade que de aqui a pouco toda a gente é decente por falta de espírito de sacrifício.
27 março 2010
Dia Mundial do Teatro
Chamo teatro estático àquele cujo enredo dramático não constitui acção — isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma acção; onde não há conflito nem perfeito enredo. Dir-se-á que isto não é teatro. Creio que o é porque creio que o teatro tende a teatro meramente lírico e que o enredo do teatro é, não a acção nem a progressão e consequência da acção — mas, mais abrangentemente, a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações [...] Pode haver revelação de almas sem acção, e pode haver criação de situações de inércia, momentos de alma sem janelas ou portas para a realidade.
(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, V, 5, p. 112)
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Inércia,
Teatro
25 março 2010
23 março 2010
Religião
A religião é uma metafísica recreativa.
(Ricardo Reis, Prosa, 81, p. 253)
Etiquetas:
* Ricardo Reis,
Heterónimos e afins,
Religião
Ateísmo
Não haver deuses é um deus também.
(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 12)
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Ateísmo,
Deus,
Religião
Conselho aos ateus militantes
Não se deve ir abalar a crença a um ignorante. Deve-se instruí-lo. A instrução lhe abalará a crença. E se não lha abalar é que ela está ainda arreigada de mais para poder ser abalada. Fica para outra geração.
É mesmo duvidoso se se deva proibir o ensino religioso. Deve criar-se uma atmosfera de cultura científica que o vá lentamente fazer caducar.
É mesmo duvidoso se se deva proibir o ensino religioso. Deve criar-se uma atmosfera de cultura científica que o vá lentamente fazer caducar.
(Ricardo Reis, Prosa, 81, p. 253)
Etiquetas:
* Ricardo Reis,
Ateísmo,
Ciência,
Educação,
Fé,
Heterónimos e afins,
Ignorância,
Religião
21 março 2010
Dia Mundial da Árvore
«O Guardador de Rebanhos»
Pintura de Gaudenzio Nazario (1994)
Pintura de Gaudenzio Nazario (1994)
Etiquetas:
* Alberto Caeiro,
Ambiente/Natureza,
Heterónimos e afins,
Iconografia
20 março 2010
7 anos do início da invasão americana do Iraque (2003)
Si vis bellum, para pacem.
[Se queres a guerra, prepara-te para a paz.]
[Se queres a guerra, prepara-te para a paz.]
(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 267, p. 423; original em latim)
19 março 2010
77 anos do “plebiscito” à Constituição de 1933 (Estado Novo)
Mais valia publicar um decreto-lei que rezasse assim:
Art. 1. António de Oliveira Salazar é Deus.
Art. 2. Fica revogado tudo em contrário e nomeadamente a Bíblia.
Ficava assim legalmente instituído o sistema que deveras nos governa, o autêntico Estado Novo — a Teocracia pessoal.
[...]
Miserrimam servitutem pacem appelant.*
* Pedem uma paz misérrima de servidão.
Art. 1. António de Oliveira Salazar é Deus.
Art. 2. Fica revogado tudo em contrário e nomeadamente a Bíblia.
Ficava assim legalmente instituído o sistema que deveras nos governa, o autêntico Estado Novo — a Teocracia pessoal.
[...]
Miserrimam servitutem pacem appelant.*
(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 223, p. 367)
* Pedem uma paz misérrima de servidão.
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Bíblia,
Deus,
Ditadura,
Estado Novo,
História de Portugal,
Lei,
Opressão,
Referendo,
Salazar,
Teocracia,
Tirania
18 março 2010
696 anos da execução de Jacques de Molay, Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários (1314)
[...] Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos — a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.
(Fernando Pessoa, “Nota Biográfica”, Prosa Íntima e de Autoconhecimento, p. 135)
16 março 2010
14 março 2010
518 anos da ordem de expulsão dos judeus e muçulmanos de Espanha (1492)
[...] A única inquisição que há hoje é a estupidez...
(Fernando Pessoa, “5 Diálogos”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 75, p. 331)
11 março 2010
6 anos dos ataques terroristas islâmicos em Madrid (2004)
[...] não quebrem meu ser, não partam meu corpo,
Não me arremessem, como uma bomba [...] que estoira
Em sangue e carne e alma [...]
Não me arremessem, como uma bomba [...] que estoira
Em sangue e carne e alma [...]
(Álvaro de Campos, Poesia, 34, p. 253)
Etiquetas:
* Álvaro de Campos,
Heterónimos e afins,
Islão,
Terrorismo
08 março 2010
Dia Internacional da Mulher
[...] place aux femmes! [...]
(Fernando Pessoa, “Fátima”, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, p. 277)
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Direitos Humanos,
Feminismo,
Igualdade,
Machismo
8 de Março de 1914: «o dia triunfal da minha vida» (F. Pessoa)
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos, depois lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro — de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta, mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 —, acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, «O Guardador de Rebanhos». E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem a «Chuva Oblíqua», de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a «Ode Triunfal» de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
Nota: Num outro documento, Fernando Pessoa apresenta uma cronologia ligeiramente diferente: Alberto Caeiro ter-se-ia manifestado pela primeira vez a 13 de Março de 1914.
Ano e meio, ou dois anos, depois lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro — de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta, mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 —, acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, «O Guardador de Rebanhos». E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem a «Chuva Oblíqua», de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a «Ode Triunfal» de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 162, pp. 342–344)
Nota: Num outro documento, Fernando Pessoa apresenta uma cronologia ligeiramente diferente: Alberto Caeiro ter-se-ia manifestado pela primeira vez a 13 de Março de 1914.
Iconografia pessoana
Os três heterónimos:
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos
(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; pormenor)
Painel gravado de José de Almada Negreiros (1961)
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos
(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; pormenor)
Painel gravado de José de Almada Negreiros (1961)
06 março 2010
89 anos do Partido Comunista Português (1921)
O bolchevismo (entendendo por bolchevismo o sindicalismo revolucionário e o comunismo, e não só este último) é um fenómeno reaccionário e religioso. Nada tem de propriamente social, nem podia ter, porque, se o tivesse, não o poderiam adoptar as plebes, incapazes de outra coisa que não de religião.
E fácil provar o carácter reaccionário do bolchevismo, como é fácil provar o seu carácter religioso — mais fácil ainda.
E fácil provar o carácter reaccionário do bolchevismo, como é fácil provar o seu carácter religioso — mais fácil ainda.
(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 62, p. 85)
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Comunismo,
História de Portugal,
Povo,
Religião,
Rússia,
União Soviética
04 março 2010
Dia Mundial da Matemática
O que é preciso é cada um multiplicar-se por si próprio.
(Fernando Pessoa, Aforismos e afins, p. 15)
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Heterónimos e afins,
Matemática
616 anos do nascimento do Infante D. Henrique (1394)
O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
(Fernando Pessoa, Mensagem, Segunda Parte, I, p. 127)
Etiquetas:
* Fernando Pessoa (ortónimo),
Descobertas,
Deus,
História de Portugal,
Império,
Nascimento,
Portugal
02 março 2010
O tédio e as certezas
O tédio... Quem tem Deuses nunca tem tédio. O tédio é a falta de uma mitologia. [...] Sim, o tédio é isso: a perda, pela alma, da sua capacidade de se iludir, a falta, no pensamento, da escada inexistente por onde ele sobe sólido à verdade.
(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 263, p. 260)
Etiquetas:
* Bernardo Soares,
Certeza/Incerteza,
Deus,
Heterónimos e afins,
Ilusão,
Mitos/Mitologia,
Religião,
Tédio,
Verdade
01 março 2010
Subscrever:
Mensagens (Atom)