11 janeiro 2013

127 anos do início do primeiro campeonato mundial de xadrez (1886)

XADREZ


Peões, saem na noite sossegada,
Cansados, cheios de emoções postiças,
Vão para casa, conversando em nada,
Sob peles, e casacos, e peliças.

Peões a que o destino não concede
Mais que uma casa por avanço e sorte,
Salvo se a diagonal lhes outra cede,
Ganhando o novo, com a alheia morte.

Súbditos sempre da maior mudança
Das nobres peças que ou o Bispo ou a Torre
Subitamente a sorte lhes alcança
E no isolado avanço o peão morre.

Um ou outro, chegando ao fim, consegue
O resgate do que é outro do que ele;
E o jogo, alheio a cada peça, segue,
E a inexorável mão por junto impele.

Depois, coitados, sob peliça ou renda,
Mate! Se finda o jogo e a mão delgada
Guarda as peças sem nexo da contenda,
Que, como tudo é jogo, o fim é nada.

(Fernando Pessoa, Poesia (1918–1930), pp. 279–280)