03 maio 2009

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

Sucede, porém, uma coisa — sucedeu há cinco minutos — que me confirma em uma decisão que estava incerta, e que me inibe de dar colaboração para a Presença, ou para qualquer outra publicação aqui do país, ou de publicar qualquer livro.
Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste ano, na distribuição de prémios no Secretariado da Propaganda Nacional, ficámos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra restritiva da Censura, «não se pode dizer isto ou aquilo», pela regra soviética do Poder, «tem que se dizer aquilo ou isto». Em palavras mais claras, tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo. Isto quer dizer, suponho, que não poderá haver legitimamente manifestação literária em Portugal que não inclua qualquer referência ao equilíbrio orçamental, à composição corporativa (também não sei o que seja) da sociedade portuguesa e as outras engrenagens da mesma espécie.

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 168, p. 358)