29 junho 2011

Heteronimia

Dar a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 26, p. 63)



O desdobramento do eu é um fenómeno em grande número de casos de masturbação.

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 421, p. 477)



«Fernando Pessoa — Heterónimo»
Pintura de Costa Pinheiro (1978)

26 junho 2011

Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura

Ando como num sonho. Compungido
Pelo terror da morte inevitável
E pelo mal da vida que me faz
Sentir, por existir, aquele horror —
Atormentado sempre.
Objectos mudos
Que pareceis sorrir-me horridamente
Só com essa existência e estar-ali,
Odeio-vos de horror. Eu quereria
(Ah pudesse eu dizê-lo — não o sei)
Nem viver nem morrer — não sei o quê,
Nem sentir nem ficar sem sentimento...
Nada sei... Serão frases o que digo
Ou verdades? Não sei... eu nada sei...
Não posso mais, não posso, suportar
Esta tortura intensa — o interrogar
[Dos] que me cercam...

(Fernando Pessoa, Fausto — Tragédia Subjectiva, 26)

24 junho 2011

Iconografia pessoana

«Sardinha Fernando Pessoa»
Ilustração de Ana Luisa R. Silva
Festas de Lisboa 2011

23 junho 2011

1648 anos da morte de Juliano, último imperador pagão do Império Romano (363)

Ó Juliano Apóstata, que laço
É esse que me prende a quem tu foste,
Imperador sombrio e calmo, quem
É que em nós ambos é o mesmo alguém?
Porque sinto eu teu gesto no meu braço
Na minha vida tua morte.

Quem foste tu, que hoje me sabes tanto
A eu ter sido tu. Porque é que lembro
Teu vulto sério, o mando teu augusto,
Teu peito de alma, calmo e [] e justo,
Como o por Maio a Junho estéril pranto
Quando é Dezembro?

Imperador aceite pelas gentes
Do teu império em prisões de te querer,
Sóbrio, vergado sobre os livros, []

Agora, renascido,
Quero outra vez erguer os deuses mortos.

(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), pp. 353–354)

22 junho 2011

22 Jun 1491 AC: Deus entrega os Dez Mandamentos a Moisés, segundo James Ussher (1581–1656)

1. Não tenhas opiniões firmes, nem creias demasiadamente no valor de tuas opiniões.

2. Sê tolerante, porque não tens a certeza de nada.

3. Não julgues ninguém, porque não vês os motivos, mas só os actos...

4. Espera o melhor e prepara-te para o pior.

5. Não mates nem estragues, porque, como não sabes o que é a vida, excepto que é um mistério, não sabes que fazes matando ou estragando, nem que forças desencadeias sobre ti mesmo se estragares ou matares.

6. Não queiras reformar nada, porque, como não sabes a que leis as coisas obedecem, não sabes se as leis naturais estão de acordo, ou com a justiça, ou, pelo menos, com a nossa ideia de justiça.

7. Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles. Não cuides que há relação entre agir e pensar. Há oposição. Os maiores homens de acção têm sido perfeitos animais na inteligência. Os mais ousados pensadores têm sido incapazes de um gesto ousado ou de um passo fora do passeio.

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 73, p. 93)

20 junho 2011

Iconografia pessoana

Escultura em madeira de Gepeto-Pinóquio

17 junho 2011

Dia Mundial de Luta contra a Seca e a Desertificação

Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.

(Álvaro de Campos, Poesia, 140, p. 429)

15 junho 2011

Heteronimia?

Em resumo, o homem de escol tem por mister o dissociar-se, o viver várias vidas paralelas — uma com a inteligência, outra com a emoção, a terceira com a vontade. O sinal do homem superior é não haver unidade nele. A sua inteligência pode despir-se de todos os preconceitos, inclusive os que julgam que o não são; e, no mesmo tempo, a sua emoção seguir recta e justa o caminho da moral mais humana, a sua vontade empregar-se humildemente no mister menos intelectual ou emotivo.

[...]

Para viver esta tripla vida da alma é preciso poder vivê-la. Para ser independente das próprias emoções é preciso poder sê-lo. Se o homem vulgar, ou meio-vulgar, quiser viver a vida de um homem superior, é um imbecil e um imoral, porque não está nele o viver tal vida. A um poeta de segundo plano exige-se, naturalmente, certo grau moral, certa elegância social. Mas um Shakespeare pode ser, como foi, agiota; um Milton pode ser, como foi, mestre-escola. Quem não pode ser dois que seja um, pois, se quiser ser dois, ficará partido.

(Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, p. 259)

13 junho 2011

123 anos do nascimento de Fernando Pessoa (1888)

Sê plural como o universo!

(Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 94)



Pessoa, bebé, no bico da cegonha
Desenho de H. Mourato

10 junho 2011

Dia de Portugal...

O DOS CASTELOS


A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

(Fernando Pessoa, Mensagem, Primeira Parte, I, p. 77)

... de Camões...

Quando um poeta inferior sente, sente sempre por caderno de encargos. Pode ser sincero na emoção; que importa se o não é na poesia? Há poetas que atiram com o que sentem para o verso; nunca verificam que o não sentiram. Chora Camões a perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca. Se Camões tivesse tido a emoção da morte da citada alma como emoção sinceramente sua, ele teria encontrado uma forma nova, palavras novas, tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas. Mas não: usou o soneto em verso, como usaria luto na vida.

(Álvaro de Campos, Pessoa por Conhecer, vol. II, 405, p. 467)

... e das Comunidades Portuguesas

Como um vapor largando do cais para longa viagem,
Com a banda de bordo a tocar o hino nacional da Alma
Eu largado para X, perturbado pela partida
Mas cheio da vaga esperança ignorante dos emigrantes,
Cheio de fé no Novo, [...]

(Álvaro de Campos, “A Partida”, Poesia, 27c, p. 220)

08 junho 2011

Dia Mundial dos Oceanos

«Mar Portugués III»*
Pintura de Juan Soler


* (Fernando Pessoa, “Mar Português”, Mensagem, Segunda Parte, X, p. 147)

06 junho 2011

163 anos do nascimento de Gomes Leal (1848)

Sr. Gomes Leal é um grande poeta. Mas é o pior grande poeta que conhecemos.

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, X, 3, p. 330)

04 junho 2011

Véspera de eleições

[...] Esta opressão, que todos nós sentimos, esta vergonha de estarmos sendo governados por bacalhoeiros da política, [...]

(Fernando Pessoa, “Carta a um Herói Estúpido”, Da República (1910–1935), 82, p. 195)

70 anos da morte de Guilherme II da Alemanha (1941)

Aí! Que fazes tu na celebridade, Guilherme Segundo da Alemanha, canhoto maneta do braço esquerdo, Bismarck sem tampa a estorvar o lume?!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 280)

01 junho 2011

Dia Internacional da Criança

«Brincadeiras de criança»
Pintura de Alfredo Margarido (1988)

Pessoa, sempre — todos os dias: Junho de 2011

Calendário pessoano: Junho de 2011
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.