Apresentou o projecto o Sr. José Cabral, que, se não é dominicano, deveria sê-lo, de tal modo o seu trabalho se integra, em natureza, como em conteúdo, nas melhores tradições dos Inquisidores. O projecto, que todos terão lido nos jornais, estabelece várias e fortes sanções (com excepção da pena de morte) para todos quantos pertençam ao que o seu autor chama «associações secretas, sejam quais forem os seus fins e organização».
Dada a latitude desta definição, e considerando que por «associação» se entende um agrupamento de homens, ligados por um fim comum, e que por «secreto» se entende o que, pelo menos parcialmente, se não faz à vista do público, ou, feito, se não torna inteiramente público, posso, desde já, denunciar ao Sr. José Cabral uma associação secreta — o Conselho de ministros. De resto, tudo quanto de sério ou de importante se faz em reunião neste mundo, faz-se secretamente. Se não reúnem em público os Conselhos de ministros, também não o fazem as direcções dos partidos políticos, as tenebrosas figuras que orientam os clubes desportivos ou os sinistros comunistas que tornam os conselhos de administração das companhias comerciais e industriais.
(Fernando Pessoa, “Associações Secretas”, Da República (1910–1935), 132, pp. 391–392)