30 janeiro 2011

Dia Mundial da Lepra

Poor leper who is a man,
Poor leper who is alive,
Under his being’s ban,
Whose torture’s chain unearned
No pity comes to rive.

A Hand of Might created
The newt, the toad, the viper,
But gave them not its worst;
Kept them from loneliness,
Gave them their kindred’s bliss.
But that hand made the leper
And it made the leper leper:
And that Hand Almighty is
Of all things the most curst.


(Alexander Search, “Song of the Leper”, Poesia, 72, p. 152; em inglês no original)


[ Pobre leproso que é homem,
Pobre dele em seu viver
Sem culpa, numa ansiedade,
À proscrição deste ser
Não chega o bem da piedade.

Mão Poderosa criou
O sapo, a cobra, o tritão
Mas não lhes deu o pior;
Dando-lhes uma sorte igual,
Livrou-os da solidão.
Mas essa mão fez leproso
Ser leproso, por desdita:
E essa Mão Poderosa
É de tudo a mais maldita. ]


(“A Canção do Leproso”, p. 153; trad. Luísa Freire)

28 janeiro 2011

72 anos da morte de William Butler Yeats (1939)

Fora tu, Yeats da céltica bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 279)

26 janeiro 2011

Reunião do Fórum Económico Mundial em Davos

[...] Ora v. criou tirania. V. como açambarcador, como banqueiro, como financeiro sem escrúpulos [...] v. criou tirania. [...]

(Fernando Pessoa, O Banqueiro Anarquista, p. 59)

25 janeiro 2011

Os intelectuais e a política

A função da inteligência é renegar as paixões. Todo o intelectual político é político mas não intelectual. A sua inteligência vale, no caso, como a de um comerciante em seu comércio: serve um lucro, não um dever. O ser o lucro abstracto ou translato nada tira ao crime essencial.

(Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, p. 258)

22 janeiro 2011

Dia de “São” Vicente, padroeiro de Lisboa

Fernando Pessoa com corvo na cabeça
Ilustração de Ricardo P. M.

21 janeiro 2011

61 anos da morte de George Orwell (1950)

Que milagre nos salvará da sinistra mania de ter razão?

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego (Presença), vol. I, p. 244)

19 janeiro 2011

88 anos do nascimento de Eugénio de Andrade (1923)

Aqueles de nós que não são pederastas desejariam ter a coragem de o ser.

(Bernardo Soares, “Declaração de Diferença”, Livro do Desassossego, p. 429)

18 janeiro 2011

Iconografia pessoana

«O Rosto com que fita...»*
Pintura de Miguel Yeco


* (Fernando Pessoa, “O dos Castelos”, Mensagem, Primeira Parte, I, p. 77)

16 janeiro 2011

91 anos da entrada em vigor da “Lei Seca” nos Estados Unidos (1920)

Chegámos ao ponto cómico desta travessia legislativa. Chegámos ao exame daquela legislação restritiva que visa a beneficiar o indivíduo, impedindo que ele faça mal à sua preciosa saúde moral e física. É este o caso de legislação restritiva que se acha tipicamente exemplificado no diploma que é o exemplo de toda a legislação restritiva, quer quanto à sua natureza quer quanto aos seus efeitos — a famosa Lei Seca dos Estados Unidos da América. Vejamos em que deu a operação dessa lei.

[...]

[...] olhemos só às consequências rigorosamente materiais da Lei Seca. Quais foram elas? Foram três.

(1) Dada a criação necessária, para o “cumprimento” da Lei, de vastas legiões de fiscais — mal pagos, como quase sempre são os funcionários do Estado, relativamente ao meio em que vivem —, a fácil corruptibilidade desses elementos, neste caso tão solicitados, tornou a Lei nula e inexistente para as pessoas de dinheiro, ou para as dispostas a gastá-lo. Assim esta lei dum país democrático é, na verdade, restritiva apenas para as classes menos abastadas e, particularmente, para os mais poupados e mais sóbrios dentro delas. Não há lei socialmente mais imoral que uma que produz estes resultados. Temos, pois, como primeira consequência da Lei Seca, o acréscimo de corruptibilidade dos funcionários do Estado, e, ao mesmo tempo, o dos privilégios dos ricos sobre os pobres, e dos que gastam facilmente sobre os que poupam.

(2) Paralelamente a esta larga corrupção dos fiscais do Estado, pagos, quando não para directamente fornecer bebidas alcoólicas pelo menos para as não ver fornecer, estabeleceu-se, adentro do Estado propriamente dito, um segundo Estado, de contrabandistas, uma organização extensíssima, coordenada e disciplinada, com serviços complexos perfeitamente distribuídos, destinada à técnica variada da violação da Lei. Ficou definitivamente criado e organizado o comércio ilegal de bebidas alcoólicas. E dá-se o caso, maravilhoso de ironia, de serem estes elementos contrabandistas que energicamente se opõem à revogação da Lei Seca, pois que é dela que vivem. Afirma-se, mesmo que, dada a poderosa influência, eleitoral e social, do Estado dos Contrabandistas, não poderá ser revogada com facilidade essa lei. Temos, pois, como segunda consequência da Lei Seca, a substituição do comércio normal e honesto por um comércio anormal e desonesto, com a agravante de este, por ter que assumir uma organização poderosa para poder exercer-se, se tornar um segundo Estado, anti-social, dentro do próprio Estado. E, como derivante desta segunda consequência, temos, é claro, o prejuízo do Estado, pois não é de supor que ele cobre impostos aos contrabandistas.

(3) Quais, foram, porém, as consequências da Lei Seca quanto aos fins que directamente visava? Já vimos que quem tem dinheiro, seja ou não alcoólico, continua a beber o que quiser. É igualmente evidente que quem tem pouco dinheiro, e é alcoólico, bebe da mesma maneira e gasta mais — isto é, prejudica-se fisicamente do mesmo modo, e financeiramente mais. Há ainda os casos, tragicamente numerosos, dos alcoólicos que, não podendo por qualquer razão obter bebidas alcoólicas normais, passaram a ingerir espantosos sucedâneos — loções de cabelo, por exemplo —, com resultados pouco moralizadores para a própria saúde. Surgiram também no mercado americano várias drogas não alcoólicas, mas ainda mais prejudiciais que o álcool; essas livremente vendidas, pois, se é certo que arruinam a saúde, arruinam contudo adentro da lei, e sem álcool. E o facto é que, segundo informação recente de fonte boa e autorizada, se bebe mais nos Estados Unidos depois da Lei Seca do que anteriormente se bebia. Conceda-se, porém, aos que votaram e defendem este magno diploma que numa secção do público ele produziu resultados benéficos — aqueles resultados que eles apontam no acréscimo de depósitos nos bancos populares e caixas económicas. Essa secção do público, composta de indivíduos trabalhadores, poupados e pouco alcoólicos, não podendo com efeito, beber qualquer coisa alcoólica sem correr vários riscos e pagar muito dinheiro, passou, visto não ser dada freneticamente ao álcool, a abster-se dele, poupando assim dinheiro. Isto, sim, conseguiram os legisladores americanos — «moralizar» quem não precisava ser moralizado. Temos, pois, como última consequência da Lei Seca, um efeito escusado e inútil sobre uma parte da população, um efeito nulo sobre outra, e um efeito daninho e prejudicial sobre uma terceira.

A Lei Seca, é certo, é um caso extremo. Mas um caso extremo é como que um caso típico visto ao microscópio: revela flagrantemente as falhas e as irregularidades dele. O caso da Lei Seca é extremo por duas razões — porque a Lei Seca é uma lei absolutamente radical, e porque, principalmente em virtude disso, o Estado se viu obrigado a esforçar-se para que ela efectivamente se cumprisse. As leis menos radicais desta ordem — como, entre nós, a que pretendeu restringir as horas de consumo das bebidas alcoólicas — naufragam na reacção surda e insistente do público, que as desdenha e despreza, e no desleixo de fiscalização do próprio Estado. Nascem mortas; e, se vivem, vivem a vida inútil e daninha da Lei Seca dos Estados Unidos.

(Fernando Pessoa, “As algemas”, Crítica, pp. 274–277)

14 janeiro 2011

135 anos do patenteamento do telefone por Alexander Graham Bell (1876)

Prefiro falar, porque, para falar é preciso estar-se presente — ambos presentes, salvo nesse caso infame do telefone, onde há vozes sem caras.

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 77, p. 160)

11 janeiro 2011

125 anos do início do primeiro campeonato mundial de xadrez (1886)

Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

(Ricardo Reis, “Os jogadores de xadrez”, Poesia, II, 31, p. 59)


Fernando Pessoa jogando xadrez com o místico inglês
Aleister Crowley (Lisboa, Setembro de 1930)

09 janeiro 2011

103 anos do nascimento de Simone de Beauvoir (1908)

O sexo oposto existe para ser procurado e não para ser compreendido.

(Álvaro de Campos, Poesia, 135, p. 419)

06 janeiro 2011

82 anos da chegada de Madre Teresa a Calcutá (1929)

Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
«Se eu não tivesse a caridade»...
E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre...
«Se eu não tivesse a caridade»...
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!...

(Álvaro de Campos, Poesia, 211, p. 531)



— É curioso, não é?... E olhe que há pontos secundários também muito curiosos... Por exemplo: a tirania do auxílio...
— A quê?
— A tirania do auxílio. Havia entre nós quem, em vez de mandar nos outros, em vez de se impor aos outros, pelo contrário os auxiliava em tudo quanto podia. Parece o contrário, não é verdade? Pois olhe que é o mesmo. É a mesma tirania nova. É do mesmo modo ir contra os princípios anarquistas.
— Essa é boa! Em quê?
— Auxiliar alguém, meu amigo, é tomar alguém por incapaz; se esse alguém não é incapaz, é ou fazê-lo tal, ou supô-lo tal, e isto é, no primeiro caso uma tirania, e no segundo um desprezo. Num caso cerceia-se a liberdade de outrem; no outro caso parte-se, pelo menos inconscientemente, do princípio de que outrem é desprezível e indigno ou incapaz de liberdade.

(Fernando Pessoa, O Banqueiro Anarquista, pp. 41–42)

03 janeiro 2011

490 anos da excomunhão de Martinho Lutero pelo Papa Leão X (1521)

O ódio entre católicos e protestantes, o entre católicos e maçons, o entre cristãos e livres-pensadores modernos, tudo isso tem a ferocidade e o disparatado do ódio entre seitas da mesma religião. Não acabou nunca a luta entre seitas crististas que dura desde o aparecimento do próprio cristismo, que, quando nos surge na história, nos surge já bipartido nas seitas paulina e petrista. O cristismo é essencialmente dividido.

Toda a linha da evolução do cristismo, que — como vimos — alcança todos os movimentos, por pouco cristãos que pareçam, da história moderna, é representada por uma série incoerente de cisões e subcisões, por um encadeamento desconexo de inimizades e de desinteligências.

(António Mora, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 297)

01 janeiro 2011

Dia de “Santa” Maria

Quanto à Virgem Maria, Ísis sem o Véu, não direi nada.

(Fernando Pessoa, “Marcha sobre Roma”, Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, p. 265)

Pessoa, sempre — todos os dias: Janeiro de 2011

Calendário pessoano: Janeiro de 2011
Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.