PAUIS
Pauis que roçarem ânsias pela minh’alma em ouro...
Dobre longínquo de Outros Sinos... Empalidece o louro
Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minh’alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!... Baloiçar de cimos de palma...
Silêncio que as folhas fitam em nós... Outono delgado
Dum canto de vaga ave... Azul esquecido em estagnado...
Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!
Estendo as mãos para além, mas ao estendê-las já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de Imperfeição... Ó tão antiguidade
A hora expulsa de si-Tempo!... Onda de recuo que invade
O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer,
E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...
Fluido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se...
O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta — a lança que finca no chão
É mais alta do que ela... Pra que é tudo isto?... Dia chão...
Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns!
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de erro...
Fanfarras de ópios de silêncios futuros... Longes trens...
Portões vistos longe... através das árvores... tão de ferro!...
(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), pp. 213–214)