30 dezembro 2012

117 anos do casamento, por procuração, da mãe de Fernando Pessoa com João Rosa, cônsul de Portugal em Durban (1895)

O padrasto e a mãe de Fernando Pessoa


(Fotobiografias do Século XX: Fernando Pessoa, p. 38)

28 dezembro 2012

117 anos da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière (1895)

Except the Germans and the Russians, no one has as yet been able to put anything like art into the cinema. The circle cannot be squared there.

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 36, p. 209;
em inglês no original)




[ À excepção dos alemães e dos russos, ninguém por enquanto conseguiu insuflar no cinema algo que se pareça com arte. Aí não há como quadrar o círculo. ]

(idem, p. 258; trad. Jorge Rosa, com alterações)

26 dezembro 2012

8 anos do tsunami do Oceano Índico, que matou mais de 230 mil pessoas (2004)

Puseste a crença num Deus justo e bom.
Foi esse Deus que te matou teu filho?

(Fernando Pessoa, Poesia (1918–1930), p. 193)

25 dezembro 2012

Natal

Cansado até dos deuses que não são...

(Fernando Pessoa, Poesia (1918–1930), p. 127)

24 dezembro 2012

Iconografia pessoana

«Álvaro de Campos»
(estatueta)

22 dezembro 2012

136 anos do nascimento de Filippo Tommaso Marinetti (1876)

MARINETTI, ACADÉMICO


Lá chegam todos, lá chegam todos...
Qualquer dia, salvo venda, chego eu também...
Se nascem, afinal, todos para isso...

Não tenho remédio senão morrer antes,
Não tenho remédio senão escalar o Grande Muro...
Se fico cá, prendem-me para ser social...

Lá chegam todos, porque nasceram para Isso,
E só se chega ao Isso para que se nasceu...

Lá chegam todos...
Marinetti, académico...

As Musas vingaram-se com focos eléctricos, meu velho,
Puseram-te por fim na ribalta da cave velha,
E a tua dinâmica, sempre um bocado italiana, f-f-f-f-f-f-f-f......

(Álvaro de Campos, Poesia, 102, p. 368)

21 dezembro 2012

207 anos da morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1805)

[...] the over-rated and insupportable Bocage [...]

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, X, 4, p. 331; em inglês no original)



[ [...] o exageradamente apreciado e insuportável Bocage [...] ]

(idem, p. 333; trad. Jorge Rosa)

20 dezembro 2012

174 anos do nascimento de Edwin A. Abbott (1838)

Como toda a geometria parte do sólido, e como o sólido perfeito é a esfera, é a geometria da esfera a que é primordial; [...]

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 259, p. 414)

18 dezembro 2012

18 Dez 2348 AC: Noé sai da Arca após o Dilúvio, segundo James Ussher (1581–1656)

A célebre arca de Fernando Pessoa


(Fernando Pessoa — Vivendo e Escrevendo, vol. I, p. 141)

17 dezembro 2012

38 anos da extinção da Comissão de Censura em Portugal (1974)

FADO DA CENSURA


Neste campo da Política
Onde a Guarda nos mantém,
Falo, responde a Censura,
Olho, mas não vejo bem.


Há um campo lamacento
Onde se dá bem o gado;
Mas, no ar mais elevado,
Na altura do pensamento,
Paira um certo pó cinzento,
Um pó que se chama Crítica.
A Ideia fica raquítica
Só de sempre o respirar.
Por isso é tão mau o ar
Neste campo da Política.

Às vezes, nesta planura,
Só o vento sopra do Norte,
O pó torna-se mais forte,
E chama-se então Censura.
É um pó de mais grossura,
Sente-se já muito bem,
E a Ideia, batida, tem
Uma impressão de pancada,
Como a que dão numa esquadra
Onde a Guarda nos mantém.

O pó parece que chove,
Paira em todos os sentidos,
Enche bocas e ouvidos,
Já ninguém fala nem ouve.
Se a minha boca se move,
Logo à primeira abertura
A enche esta areia escura.
Só trago e me oiço tragar.
É uma conversa a calar.
Falo, responde a Censura.

Vem então qualquer vizinho,
Dos que podem abrir boca;
No braço, irado, me toca,
E diz, «Não vê o caminho?
O seu dever comezinho
De patriota aí tem.
Vê o caminho e não vem?!»
Para isso, boas aos molhos!
Se este pó me entrou pròs olhos,
Olho, mas não vejo bem.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), pp. 470–471)

16 dezembro 2012

497 anos da morte de Afonso de Albuquerque (1515)

[...] O Infante, Albuquerque e os outros semideuses da nossa glória esperam ainda o seu cantor. Este poderá não falar deles; basta que os valha em seu canto, e falará deles. Camões estava muito perto para poder sonhá-los. [...]

(Fernando Pessoa, “Entrevista sobre a Arte e a Literatura Portuguesas”, Crítica, p. 198)

15 dezembro 2012

221 anos da aprovação da “Bill of Rights” (Carta dos Direitos), conjunto das 10 primeiras Emendas à Constituição dos Estados Unidos (1791)

Por liberalismo legitimamente se entende aquele critério das relações sociais pelo qual cada homem é considerado como livre para pensar o que quiser e para o exprimir como quiser ou pôr em acção como entender, com o único limite de que essa acção não tolha directamente os iguais direitos dos outros à mesma liberdade.

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 118, p. 363)

14 dezembro 2012

94 anos do assassinato de Sidónio Pais (1918)

Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei
A Vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei!

Não é com fé que nós não cremos
Que ele não morra inteiramente.
Ah, sobrevive! Inda o teremos
Em nossa frente.

[...]

Precursor do que não sabemos,
Passado de um futuro a abrir
No assombro de portais extremos
Por descobrir.

Sê estrada, gládio, fé, fanal,
Pendão de glória em glória erguido!
Tornas possível Portugal
Por teres sido!

Não era extinta a antiga chama
Se tu e o amor puderam ser.
Entre clarins te a glória aclama,
Morto a vencer!

E, porque foste, confiando
Em QUEM SERÁ porque tu foste,
Ergamos a alma, e com o infando
Sorrindo arroste,

Até que Deus o laço solte
Que prende à terra a asa que somos,
E a curva novamente volte
Ao que já fomos,

E no ar de bruma que estremece
(Clarim longínquo matinal!)
O DESEJADO enfim regresse
A Portugal!

(Fernando Pessoa, “À Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais”, Poesia (1918–1930), pp. 117 e 123–124)

13 dezembro 2012

435 anos do início da Circum-navegação de Francis Drake (1577)

Travels by sea like those of Drake, Frobisher, Cook and (as the Patent Office says) «the like» are so insignificant in the sociology of discovery that it were a wiser patriotism with Englishmen to omit all reference to them except as national incidents of a foreign impulse. Politics and not navigation is the English contribution to the substance of civilization. England found the sea only after it was told where it was.

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias,
VIII, 33, pp. 204–205; em inglês no original)



[ Viagens marítimas como as de Drake, Frobisher, Cook e (como diz a Repartição de Patentes) «afins», são tão insignificantes na sociologia das descobertas que seria um patriotismo mais sensato os ingleses omitirem todas as referências a eles excepto como incidentes nacionais de um impulso estrangeiro. O contributo inglês para a substância da civilização foi a política, não a navegação. A Inglaterra só encontrou o mar depois de lhe terem dito onde ficava. ]

(idem, p. 253; trad. Jorge Rosa, com alterações)

12 dezembro 2012

Iconografia (quase) pessoana

Luís Miguel e João Maria (meios-irmãos de Pessoa)

11 dezembro 2012

Dia Internacional das Montanhas

A montanha por achar
Há-de ter, quando a encontrar,
Um templo aberto na pedra
Da encosta onde nada medra.

O santuário que tiver,
Quando o encontrar, há-de ser
Na montanha procurada
E na gruta ali achada.

A verdade, se ela existe,
Ver-se-á que só consiste
Na procura da verdade,
Porque a vida é só metade.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 352)

09 dezembro 2012

404 anos do nascimento de John Milton (1608)

Milton is the example of the union of great genius and great talent. He has the intuition of genius and the formative power of talent. He had no wit; he was, in fact, a pedant. But he had the pedant’s firm, though heavy, will.

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias,
VIII, 4, p. 171; em inglês no original)



[ Milton é o exemplo da união de grande génio e grande talento. Tem a intuição do génio e o poder formativo do talento. Não tinha qualquer espírito; era, até, pedante. Mas tinha a vontade firme, embora pesada, do pedante. ]

(idem, p. 218; trad. Jorge Rosa, com alterações)

08 dezembro 2012

148 anos da publicação do “Syllabus Errorum” do Papa Pio IX, condenando o naturalismo, o racionalismo, a liberdade religiosa, as críticas à Igreja, etc. (1864)

EXCOMMUNICATION


I, Charles Robert Anon,
being, animal, mammal, tetrapod, primate, placental, ape, catarrhina, [] man; eighteen years of age, not married (except at odd moments), megalomaniac, with touches of dipsomania,
dégénéré supérieur, poet, with pretensions to written humour, citizen of the world, idealistic philosopher, etc. etc. (to spare the reader further pains),
In the name of TRUTH, SCIENCE and
PHILOSOPHIA, not with bell, book and candle, but with pen, ink and paper, Pass sentence of excommunication on all priests and all sectarians of all religions in the world.

Excommunicabo vos.
Be damned to you all.
Ainsi-soit-il.
Reason, Truth, Virtue per C.R.A.

(Charles Robert Anon, Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, pp. 58 e 60;
em inglês no original)



[ EXCOMUNHÃO
Eu, Charles Robert Anon, ser, animal, mamífero, tetrápode, primata, placentário, macaco, catarríneo, [] homem; dezoito anos de idade, não casado (excepto de vez em quando), megalómano, com traços de dipsomania, dégénéré supérieur, poeta, com pretensões a humor escrito; cidadão do mundo, filósofo idealista, etc., etc. (para poupar ao leitor mais esforços),
Em nome da VERDADE, da CIÊNCIA e da PHILOSOPHIA, não com campainha, livro e vela, mas com caneta, tinta e papel,
Profiro sentença de excomunhão para todos os padres e todos os sectários de todas as religiões do mundo.
Excommunicabo vos.
Que sejais todos malditos.
Ainsi-soit-il.
Razão, Verdade, Virtude por C.R.A. ]


(idem, pp. 59 e 61; tradução com alterações)

06 dezembro 2012

244 anos da publicação da primeira edição da Enciclopédia Britânica (1768)

Estante com livros
«Livros são papéis pintados com tinta...»*
Pintura de Norberto Nunes


* (Fernando Pessoa, “Liberdade”, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 378)

05 dezembro 2012

Morte de Oscar Niemeyer

Realizo Deus numa arquitectura triunfal
De arco de Triunfo posto sobre o universo,

(Álvaro de Campos, Poesia, 28, p. 236)

04 dezembro 2012

32 anos da morte de Francisco Sá Carneiro (1980)

Morreu pela Pátria, sem saber como nem porquê. [...]
[...]
[...] Não pensou que ia morrer pela Pátria; morreu por ela. [...]
O seu lugar não é ao pé dos criadores de Portugal, cuja estatura é outra, e outra a consciência. [...]

(Bernardo Soares, “Cenotáfio”, Livro do Desassossego, pp. 424–425)

37 anos da morte de Hannah Arendt (1975)

Raiava, já antes da guerra, no horizonte o triste sinal da plebeização das elites. [...] É preciso reagir contra esta corrente.

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VII, 10, p. 158)

02 dezembro 2012

89 anos do nascimento de Maria Kalogeropoulou, dita Maria Callas (1923)

Que anjo, ao ergueres
A tua voz
Sem o saberes
Veio baixar
Sobre esta terra
Onde a alma erra
E com as asas
Soprou as brasas
Do ignoto lar?

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 253)

68 anos da morte de Filippo Tommaso Marinetti (1944)

[...] incrível idiotia de Marinetti, cuja banalidade mental lhe não permitia inserir qualquer ideia no ritmo irregular, porque lhe não permitia inseri-la em coisa nenhuma e lhe chamou «futurismo», como se a expressão «futurismo» contivesse qualquer sentido compreensível. «Futurista» é só toda a obra que dura; e por isso os disparates de Marinetti são o que há de menos futurista.

(Álvaro de Campos, “Ritmo Paragráfico”, Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 273)

01 dezembro 2012

1 dia (mais 77 anos) sem Fernando Pessoa

Diz o jornal que ontem morreste.
Sobre os joelhos o deponho
E numa náusea de eu estar triste
Entristeço, relembro, sonho.

[...]

Custa a crer que não hajas. Vai
Pôr-se entre nós o grande muro
Que com a porta onde se sai
Existe a fazer tudo escuro.

E estes versos são o disfarce
Do egoísmo que me humano faz.
Rimo a dor de que tudo passe,
Sorrio. Já te esqueci, rapaz.

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), pp. 19–20)

Pessoa, sempre — todos os dias: Dezembro de 2012

Calendário pessoano: Dezembro de 2012

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.
1 de Dezembro: um feriado marcado para morrer...

30 novembro 2012

112 anos da morte de Oscar Wilde (1900)

[...] A prática da pederastia, embora nem sempre fácil [...], é contudo mais fácil que a produção de uma segunda Salomé.

(Fernando Pessoa, “A Imoralidade das Biografias”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VI, 12, p. 132)

77 anos da morte de Fernando Pessoa (1935)

Túmulo de Fernando Pessoa no Mosteiro dos Jerónimos

28 novembro 2012

Sr. (primeiro-)ministro Vítor Gaspar: aqui tem a sua desculpa, para quando (inevitavelmente) precisar dela!

[...] o mais honesto e desinteressado dos políticos e dos governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e leis, que julga sãos, com que se propõe salvá-la ou conservá-la.

(Fernando Pessoa, “Régie, Monopólio, Liberdade”, Crítica, p. 281)

27 novembro 2012

Votação final global do Orçamento de Estado 2013

É preciso criar abismos, para a humanidade que os não sabe saltar se engolfar neles para sempre.
[...]
É nosso dever [...] untar o chão, ainda que seja com lágrimas, para que escorreguem nele os que dançam.

(Álvaro de Campos, “Mensagem ao Diabo”, Pessoa por Conhecer, vol. II, 305, pp. 345–346)

26 novembro 2012

103 anos do nascimento de Eugène Ionesco (1909)

APOTEOSE DO ABSURDO


Falo a sério e tristemente; este assunto não é para alegria, porque as alegrias do sonho são contraditórias e entristecidas e por isso aprazíveis de uma misteriosa maneira especial.

Sigo às vezes em mim, imparcialmente, essas coisas deliciosas e absurdas que eu não posso poder ver, porque são ilógicas à vista — pontes sem donde nem para onde, estradas sem princípio nem fim, paisagens invertidas [] — o absurdo, o ilógico, o contraditório, tudo quanto nos desliga e afasta do real e do seu séquito disforme de pensamentos práticos e sentimentos humanos e desejos de acção útil e profícua. O absurdo salva de chegar apesar do tédio àquele estado de alma em que começa por se sentir a doce fúria de sonhar.

E eu chego a ter não sei que misterioso modo de visionar esses absurdos — não sei explicar, mas eu vejo essas coisas inconcebíveis à visão.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 371, p. 337)

25 novembro 2012

167 anos do nascimento de Eça de Queirós (1845)

O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queiroz. É o exemplo mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos) em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também pela inconsciência dela. Neste capítulo, A Relíquia, Paio Pires a falar francês, é um documento doloroso. As próprias páginas sobre Pacheco, quase civilizadas, são estragadas por vários lapsos verbais, quebradores da imperturbabilidade que a ironia exige, e arruinadas por inteiro na introdução do desgraçado episódio da viúva de Pacheco. Compare-se Eça de Queiroz, não direi já com Swift, mas, por exemplo, com Anatole France. Ver-se-á a diferença entre um jornalista, embora brilhante, de província, e um verdadeiro, se bem que limitado, artista.

(Fernando Pessoa, “O Provincianismo Português”, Crítica, p. 373)

24 novembro 2012

Iconografia pessoana

Cartoon de Claudio Gurgone

22 novembro 2012

49 anos da morte de Aldous Huxley (1963)

[...] There is perhaps more wisdom, or worldly wisdom, as such, in a book by Aldous Huxley than in all [Edmund] Spenser. But Spenser will be remembered, though unread, a thousand years from now; and for Aldous Huxley there will be neither reading nor remembering.

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias,
VIII, 6, p. 173; em inglês no original)



[ [...] Há, talvez, mais sabedoria, ou sabedoria do mundo como tal, num livro de Aldous Huxley do que em toda a obra de [Edmund] Spenser. Mas Spenser será lembrado, embora ninguém o leia, daqui a mil anos; enquanto que Aldous Huxley, esse ninguém o lerá nem se lembrará dele. ]

(idem, pp. 220–221; trad. Jorge Rosa)

20 novembro 2012

102 anos da morte de Lev Tolstoi (1910)

[...] De resto — admito — [...], quanto ao Tolstoi, basta ser russo para eu ter dificuldade em dar por ele.

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 123, p. 247)



* 7 de novembro, segundo o calendário juliano, então em uso na Rússia.

19 novembro 2012

166 anos da fundação do Banco de Portugal (1846)

O Banqueiro Anarquista
Banda-desenhada de Ana Filomena Pacheco
Revista CAIS n.º 131 (Junho 2008)

(Fernando Pessoa, O Banqueiro Anarquista, col. Obras de Fernando Pessoa (n.º 9), 1999)

18 novembro 2012

Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada

If we hesitate in pitying the drug fool who saturates cocaine with himself, why should we pity the sillier doper who takes speed instead of cocaine?

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias,
VIII, 35, p. 207; em inglês no original)



[ Se hesitamos em ter piedade do toxicómano idiota que satura a cocaína de si próprio, por que razão haveríamos de ter pena desses toxicómanos ainda mais idiotas que tomam velocidade em vez de cocaína? ]

(idem, p. 256; trad. Jorge Rosa, com alterações)

17 novembro 2012

143 anos da inauguração do Canal de Suez (1869)

Não faço mais que ver o navio ir
Pelo canal de Suez a conduzir
A minha vida, ânfora na aurora.

(Álvaro de Campos, “Opiário”, Poesia, 5, p. 60)

14 novembro 2012

164 anos da inauguração do Hospital de Rilhafoles, actual Hospital Miguel Bombarda (1848)

FRAGMENT OF DELIRIUM


I know not whether my mind is broken
Nor do I know if my mind is ill;
I know not if love is but the last token
Of God to me, or a word unspoken
In a chaos of will.

My thoughts are such as the mad must have
And dead things know my soul
Grotesque and odd are the shapes that roll
In my brain as worm in a grave...


(Alexander Search, Poesia, 38, p. 90; em inglês no original)


[ FRAGMENTO DE DELÍRIO
Não sei se em mim a mente se quebrou
Nem se a razão me foi adoecer;
Não sei se o amor é só o último sinal
De Deus em mim, ou a voz que se calou
No caos do querer.

Meu pensar deve ser o da loucura
E minha alma é por fantasmas habitada —
Formas grotescas e estranhas a rolar
E minha mente, quais vermes em sepultura... ]


(p. 91; trad. Luísa Freire)

13 novembro 2012

Iconografia pessoana

Desenho de Ulisses

12 novembro 2012

Visita-relâmpago de Angela Merkel a Portugal

Essa elefantíase da civilização que é a Alemanha, [...]

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 88, p. 238)

11 novembro 2012

Dia de “São” Martinho

Boa é a vida, mas melhor é o vinho.

(Fernando Pessoa, Poesias Inéditas (1930–1935), 53)

151 anos da morte de D. Pedro V (1861)

D. PEDRO V


Quando Deus viu que o rei D. Pedro Quinto
Longe de má pessoa, com acinto
Ao bem e à verdade se cingia
Assobiou e resmungou «errei
Lá vai este destoar, por ser bom rei,
Daquela estuporada dinastia
Que eu destinara a exemplificar
Perante o mundo o mal da monarquia
Nada, volva a infâmia ao seu lugar
Se não com este era a obra desfeita
Da infâmia completa de governar
Que nos Bragança ia tão perfeita.»
Matou-o novo pois para não destoar.

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 203, p. 341)

10 novembro 2012

121 anos da morte de Arthur Rimbaud (1891)

Invejo a tua vida arremessada,
Atirada p’ra longe, p’ra perder-se...
Vida que abre as velas, e ei-la a encher-se
De si sem pensar em ter uma chegada,
E de estar longe sem pensar em ver-se.

Invejo a tua vida e tenho dela
Que não foi minha, como que saudades,
Descem em mim obscuras ansiedades
Um mar em mim tormentas em capela
Feitas das minhas ocas saciedades.

Possuidor do Longe que sonhaste,
Torturado por tua imperfeição...
Não sei porque tu não viveste são
Flor que tanto soube ser alta na haste
Que em vício e sombra... mas desabrochaste
E a tua vida foi o teu perdão.

(Fernando Pessoa, “A Vida de Arthur Rimbaud”, Poesia (1902–1917), pp. 141–142)

09 novembro 2012

74 anos da Kristallnacht, noite de violência antijudaica por toda a Alemanha Nazi (1938)

Abram todas as portas!
Partam os vidros das janelas!

(Álvaro de Campos, “Saudação a Walt Whitman”, Poesia, 24p, p. 182)

23 anos da queda do Muro de Berlim (1989)

Grande libertador
Que arrasaste os muros da cadeia velha

(Álvaro de Campos, “A Partida”, Poesia, 27o, p. 233)

08 novembro 2012

Iconografia pessoana

«Pessoa Revisited»
Banda-desenhada de Rafa Infantes

(Álvaro de Campos, “Lisbon Revisited” (1923), Poesia, 47, pp. 271–272;
“Lisbon Revisited” (1926), Poesia, 65, pp. 300–302)

07 novembro 2012

95 anos da Revolução Bolchevique (1917)*

Não há correntes proletárias, não há bolchevismo (nem na Rússia), não há radicalismo em parte nenhuma. [...] Os operários são todos uns idiotas, e os seus chefes, ou idiotas também, ou loucos; [...]

(Álvaro de Campos, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 415)


* 25 de Outubro, no Calendário Juliano, então em uso na Rússia.

06 novembro 2012

Eleições americanas

[...] As próprias eleições, dada a complexidade e o custo do maquinismo eleitoral, nunca podem ser vencidas senão por partidos eleitoralmente organizados. O eleitor não escolhe o que quer; escolhe entre isto e aquilo que lhe dão, o que é diferente. Tudo é oligárquico na vida das sociedades. [...]

(Álvaro de Campos, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 415)

04 novembro 2012

Clássicos e românticos

A classic is a man who expresses himself; a romantic a man who has a lot of self to express and expresses that but no more. [...]

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 31, p. 203;
em inglês no original)



[ Um clássico é um homem que se exprime; um romântico, um homem que tem muito de si para exprimir e que o exprime, mas daí não passa. [...] ]

(idem, p. 252; trad. Jorge Rosa, com alterações)

02 novembro 2012

1 ano do atentado contra a redacção do semanário satírico francês Charlie Hebdo (2011)

Torturador obscuro, tomo ódio
A esta ridente humanidade toda,
Folgo de lhes pensar torturas na alma,
Com que perdessem esse riso e até
As lágrimas na dor e no pavor.

(Fernando Pessoa, Fausto — Tragédia Subjectiva, 17)

01 novembro 2012

Pessoa, sempre — todos os dias: Novembro de 2012

Calendário pessoano: Novembro de 2012

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.
1 de Novembro: um feriado marcado para morrer...

31 outubro 2012

217 anos do nascimento de John Keats (1795)

I cannot think badly of the man who wrote the Ode to a Nightingale, nor of him who, in that «to the Grecian Urn», expresses so human an idea as the heart-rending untimeness of beauty. We all have felt that tearful sensation. [...]

(Fernando Pessoa, “Keats”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, IX, 10, p. 312;
em inglês no original)



[ Não posso pensar mal do homem que escreveu Ode a um Rouxinol nem daquele que, em «a uma Urna Grega», exprime uma ideia tão humana como a dilacerante intemporalidade da beleza. Todos nós tivemos já essa lacrimosa sensação. [...] ]

(idem, p. 313; trad. Jorge Rosa, com alterações)

30 outubro 2012

28 outubro 2012

156 anos da inauguração da primeira linha férrea em Portugal (1856)

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada —
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela —
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não —
No comboio descendente
De Palmela a Portimão...

(Fernando Pessoa, “Canções para acordar crianças, III”, O Melhor do Mundo São as Crianças, p. 13)

25 outubro 2012

Tipografia pessoana

Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem, / Que traçam linhas de coisa a coisa, / Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais, / E desenham paralelos de latitude e longitude / Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!
(Alberto Caeiro, “O Guardador de Rebanhos, XLV”, Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 95)

22 outubro 2012

67 anos da criação da PIDE, sucedendo à PVDE (1945)

Ah, a opressão de tudo isto!

(Álvaro de Campos, “Vilegiatura”, Poesia, 199, p. 511)

21 outubro 2012

207 anos da Batalha de Trafalgar (1805)

[...] Também no terceiro período a Inglaterra nada criou de civilizacional; criou a sua própria grandeza e nada mais — visto que a hegemonia europeia tem sido mais sua do que de outra nação no século XIX, conforme o vincaram para a história Nelson, em Trafalgar, e Wellington, em Waterloo.

(Fernando Pessoa, “A Nova Poesia Portuguesa sociologicamente considerada”, Crítica, p. 11)

18 outubro 2012

Escrita: supérfluo vs. necessário

Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse.

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VI, 8, p. 126)

15 outubro 2012

122 anos do “nascimento” de Álvaro de Campos (1890) — take 2*

[...] pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida. [...]

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 162, p. 340)


* Um horóscopo de Álvaro de Campos, manuscrito pelo próprio Fernando Pessoa, coloca o “nascimento” do heterónimo à 1h17 da tarde de 13 de Outubro de 1890. Em carta a Adolfo Casais Monteiro, datada de 13 de Janeiro de 1935, Fernando Pessoa apresenta uma cronologia ligeiramente diferente: Álvaro de Campos teria nascido à 1h30 da tarde do dia 15 de Outubro. (Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 162, pp. 344–345)

13 outubro 2012

Dia Internacional dos Cuidados Paliativos

Dói-me quem sou. [...]

(Fernando Pessoa, Poesia (1918–1930), p. 357)

122 anos do “nascimento” de Álvaro de Campos (1890)

«Álvaro de Campos»
Pintura de Juan Soler

12 outubro 2012

520 anos da chegada de Cristóvão Colombo às Américas (1492)

It is idle, though perhaps interesting, to discuss what Columbus was, historically; sociologically, he is Portuguese.

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 38, p. 211;
em inglês no original)



[ É ocioso, embora talvez interessante, discutir quem foi Colombo historicamente; sociologicamente era português. ]

(idem, p. 260; trad. Jorge Rosa)

11 outubro 2012

Prémio Nobel da Literatura

I must write my book. I dread what the truth may be. Yet, be it bad, I have to write it. God get the truth be not bad!

I should like to have written this in better style, but my power of writing is gone.


(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 49, p. 77; em inglês no original)




[ Tenho de escrever o meu livro. Tremo de pensar qual possa ser a verdade. Mas, por má que seja, tenho que escrevê-lo. Queira Deus que a verdade não seja má!

Gostaria de ter escrito isto num melhor estilo, mas a minha capacidade para escrever foi-se. ]


(idem; tradução com alterações)

10 outubro 2012

Dia Mundial da Saúde Mental

[...] Partiu-se a corda do automóvel velho que trago na cabeça, e o meu juízo, que já não existia, fez tr-tr-r-r-...

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 86, p. 172)




And Madness like my breath is within me.

(Alexander Search, “Soul-Symbols”, Poesia, 36, p. 88; em inglês no original)


[ E a Loucura, como o sopro, está em mim. ]

(“A Alma em Símbolos”, p. 89; trad. Luísa Freire)

07 outubro 2012

Iconografia pessoana

«Heterónimos»
Pintura de Bartolomeu Cid dos Santos

05 outubro 2012

102 anos da Implantação da República (1910)

O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a república é que não estava. Grandes são as virtudes de coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!

Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos — porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos — de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.

(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 47, p. 149)


O nosso Presidente é que deve saber:
Cavaco Silva hasteia a bandeira nacional invertida durante as comemorações do 5 de Outubro
Fotografia de de Natacha Cardoso (Global Imagens)
Por isso, refazemos aqui o calendário de Outubro:
Calendário pessoano: Outubro de 2012 (agora com feriado de pernas para o ar)
5 de Outubro: um feriado marcado para morrer... (agora de pernas para o ar)

04 outubro 2012

182 anos da Declaração de Independência da Bélgica (1830)

[...] uma pseudonação como, por exemplo, a Bélgica [...], a que falta, logo de princípio, a base linguística para mostrar ao mundo que tem personalidade. [...]

(Fernando Pessoa, “Catalunha”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 19, p. 184)

03 outubro 2012

786 anos da morte de “São” Francisco de Assis (1226)

[...] S. Francisco de Assis, um dos mais venenosos e traiçoeiros inimigos da mentalidade ocidental.

(Fernando Pessoa, “Nós os de Orpheu”, Crítica, p. 523)

01 outubro 2012

Dia Mundial da Música

A música é apenas a forma subtilizada das artes de comunicação social. A música é a forma abstracta de entreter.

(Ricardo Reis, Prosa, 61, p. 211)

Pessoa, sempre — todos os dias: Outubro de 2012

Calendário pessoano: Outubro de 2012

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.
5 de Outubro: um feriado marcado para morrer...

30 setembro 2012

Dia Internacional do Direito à Blasfémia*

De que maneira, por que processo reconheceremos o esteta, propriamente tal, na sua obra? Quais são os sinais necessários da aplicação do ideal estético? [...] Como distinguiremos o esteta do [...] revoltado, que procura o pecado só porque é pecado, e blasfema [...] só para ter a consciência da blasfémia? [...]

(Fernando Pessoa, “António Botto e o Ideal Estético em Portugal”, Crítica, p. 179)



* Dia que, desde 2009, celebra o direito à liberdade de expressão, incluindo à crítica e sátira religiosas. A data foi escolhida para coincidir com o aniversário da publicação, em 2005, de uma série de cartoons sobre Maomé num jornal dinamarquês, evento que, meses mais tarde, desencadearia forte polémica no mundo islâmico.

Dia Internacional da Tradução

[...] uma tradução é perfeita quando parece não ser uma tradução) [...]

(Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 177)

29 setembro 2012

29 anos da morte de Mário Botas (1983)

«Retrato de Fernando Pessoa»
Pintura de Mário Botas (1982)

27 setembro 2012

Dia Mundial do Turismo

A vida é uma viagem que uns fazem em caixeiros-viajantes, outros em navios em lua de mel, e outros, como eu, em tourists. Eu atravesso a vida para olhar para ela. Tudo é paisagem para mim, como para o bom tourist — campos, cidades, casas, fábricas, luzes, bares, mulheres, dores, alegrias, dúvidas, guerras []. Quero, para aproveitar a minha viagem, sentir o maior número de coisas no mais pequeno espaço de tempo possível. Sentir tudo de todas as maneiras, amar tudo de todas as formas, tocar e ver coisas e não lhes pegar, passar por elas e não olhar para trás — parece-me o único destino digno dum poeta.

(Álvaro de Campos, Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 232)

26 setembro 2012

Dia Europeu das Línguas

A real man cannot be, with pleasure and profit, anything more than bilingual. One language, even if carefully codified in its rules and precisions, is difficult enough to hold and spread out; two are the human limit for any man who is not born to suicide as a philologist of the useless.

(Fernando Pessoa, “Babel — Or the Future of Speech”, Pessoa Inédito, 43, p. 154; em inglês no original)



[ Um verdadeiro homem só pode ser, com prazer e proveito, bilingue. Uma língua, ainda que minuciosamente codificada nas suas regras e normas, é bastante difícil de dominar e difundir; duas são o limite humano de qualquer homem que não nasceu para se suicidar como filólogo da inutilidade. ]

(idem, p. 155)

23 setembro 2012

73 anos da morte de Sigmund Freud (1939)

Ora, a meu ver (é sempre «a meu ver»), o Freudismo é um sistema imperfeito, estreito e utilíssimo. É imperfeito se julgamos que nos vai dar a chave, que nenhum sistema nos pode dar, da complexidade indefinida da alma humana. É estreito se julgamos, por ele, que tudo se reduz à sexualidade, pois nada se re­duz a uma coisa só, nem sequer na vida intra-atómica. É utilíssimo porque chamou a atenção dos psicólogos para três elementos importantíssimos na vida da alma, e portanto na interpretação dela: (1) o subconsciente e a nossa consequente qualidade de animais irracionais; (2) a sexualidade, cuja importância havia sido, por diversos motivos, diminuída ou desconhecida anteriormente; (3) o que poderei chamar, em linguagem minha, a translação, ou seja a conversão de certos elementos psíquicos (não só sexuais) em outros, por estorvo ou desvio dos originais, e a possibilidade de se determinar a existência de certas qualidades ou defeitos por meio de efeitos aparentemente irrelacionados com elas ou eles.

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 124, p. 251)

Iconografia pessoana

«Ai que prazer»*
Pintura de Norberto Nunes


* (Fernando Pessoa, “Liberdade”, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 378)

22 setembro 2012

115 anos da morte de Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgo Antônio Conselheiro, líder espiritual da revolta sertaneja de Canudos (1897)

À memória de Antônio Conselheiro, bandido, louco e santo, que, no sertão do Brasil, morreu, como um exemplo, com seus companheiros, sem se render, batendo-se todos, últimos Portugueses, pela esperança do Quinto Império e da vinda quando Deus quisesse, de El-Rei D. Sebastião, nosso Senhor, Imperador do Mundo.

(Fernando Pessoa, Pessoa Inédito, 107, p. 235)

Dia Europeu sem Carros

Quando surgiu a indústria automobilista, foi preciso criar a classe dos chauffeurs; ninguém, a não ser um ou outro atropelado mais plebeu, se revoltaria decerto contra a imperícia inicial dos guiadores dos carros. Estavam aprendendo o ofício — o que é natural; e ganhando a sua vida — o que é respeitável. Depois ficaram sabendo da sua arte, e, embora a maioria continue guiando mal, o facto é que são chauffeurs definitivamente.

(Fernando Pessoa, “Crónica da Vida que Passa... VI”, Crítica, p. 120)

21 setembro 2012

Dia Mundial da Doença de Alzheimer

Tudo que temos é esquecimento.

(Fernando Pessoa, “Primeiro Fausto”, Primeiro Tema — “O Mistério do Mundo”, VI, Ficção e Teatro, p. 170)



Nem eu mesmo me conheço,
E, se me conheço, esqueço,

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 165)

19 setembro 2012

125 anos do “nascimento” de Ricardo Reis (1887)

[...] pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria, [...]

(Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), 162, p. 340)

17 setembro 2012

74 anos da inauguração do Porto de Leixões (1938)

«Ode Marítima no Porto de Matosinhos»
Fotografia de Adelaide Almeida


(Álvaro de Campos, “Ode Marítima”, Poesia, 18, pp. 119 e 107)

14 setembro 2012

691 anos da morte de Dante Alighieri (1321)

Epics fundamentally dealing with religion can attain a full splendour only when that religion ceases to be of importance (loses its own importance). We delight in Athene because we are (perhaps precipitately) convinced that she did not exist. Paradise Lost is different. No one believes in Adam and Eve, but there are matters of controversy about the Trinity.

Dante has stood greatness better, for in the Protestant countries he is mere fable, and in the Catholic countries there is no religion.


(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 38, p. 211;
em inglês no original)



[ As epopeias que se prendem fundamentalmente com a religião só podem atingir pleno esplendor quando essa religião deixa de ser importante (perde a sua própria importância). Deleitamo-nos em Atena por (talvez precipitadamente) estarmos convencidos de que ela não existiu. O Paraíso Perdido é diferente. Ninguém acredita em Adão e Eva, mas existem pontos controversos acerca da Trindade.

Dante resistiu melhor à grandeza, pois nos países protestantes é mera fábula, e nos países católicos não há religião. ]


(idem, p. 260; trad. Jorge Rosa)

11 setembro 2012

Dia Nacional da Catalunha

Dos problemas que hoje agitam e perturbam a indisciplinada vida da Europa, o problema do separatismo catalão é talvez o que mais flagrantemente foca o conflito fundamental que se trava hoje no mundo, e, portanto, aquele que mais curiosos ensinamentos contém.

No pleito, que o Destino faz que se digladie entre a Espanha e a Catalunha, há o facto essencial de todos os dramas. Como em todos os dramas, um momento criado pelo Destino, mas segundo inevitáveis resultados de um passado surdamente se acumulou, faz entrar em conflito forças e ideias que é absurdo que entrem em conflito, que é doloroso que se encontrem em guerra Como em todos os dramas, não há solução satisfatória para problema, porque a única arbitragem certa, e por isso injusta, é a do Destino. E como em todos os dramas, ambas as partes têm igual razão.


O conflito entre a Catalunha e a Espanha é o conflito entre o conceito nacional de país, e o conceito civilizacional de país. Um conceito é geográfico, supõe-se ser étnico, e afirma-se como linguístico. O outro conceito é histórico, supõe-se ser imperialista e afirma-se como cultural.

Do ponto de vista nacional, e exclusivamente nacional, a Catalunha é uma nação, um país, com índole própria, tendências especiais, com um idioma à parte, que as define, e uma aspiração, que as deseja.

(Fernando Pessoa, “Catalunha”, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 19, pp. 183–184)

121 anos do suicídio de Antero de Quental (1891)

Um grande artista (literário) nota-se aplicando-lhe a seguinte pergunta crítica: tem paixão ou imaginação ou pensamento? [...] Os sonetos de Antero têm sempre pensamento, às vezes imaginação, paixão nunca [...].

(Fernando Pessoa, “Estética”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VI, 6, p. 122)

09 setembro 2012

Iconografia pessoana

«Heteronímias»
Pintura de Victor Alexandre

08 setembro 2012

O «cidadão e pai» Pedro Passos Coelho diz aos «amigos» contribuintes o quanto lhe custou anunciar mais medidas de austeridade

Cuidado com as lágrimas, quando são estadistas os que as choram.

(Fernando Pessoa, “O Segredo de Roma”, Pessoa Inédito, 266, p. 422)

06 setembro 2012

51 anos da concessão da plena cidadania portuguesa a todos os habitantes das colónias, com a abolição do Estatuto dos Indígenas Portugueses (1961)

Há três imperialismos: de domínio, de expansão e de cultura.
[...]

IMPERIALISMO DE CULTURA
[...]
(3) O que procura dominar ou colonizar para civilizar ou modificar as raças indígenas, sejam inferiores, decadentes ou apenas menos civilizadas.
[...]

(Fernando Pessoa, “Império”, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 74, pp. 221–222)

05 setembro 2012

157 anos da morte de Auguste Comte (1857)

[...] o infeliz chamado Augusto Comte, toda a vida sofreu de alienação mental.

(Fernando Pessoa, “O Preconceito da Ordem”, Da República (1910–1935), 89, p. 220)

03 setembro 2012

253 anos da ordem de expulsão dos Jesuítas de Portugal (1759)

Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!

(Álvaro de Campos, “Ultimatum”, Prosa Publicada em Vida, p. 280)

01 setembro 2012

Pessoa, sempre — todos os dias: Setembro de 2012

Calendário pessoano: Setembro de 2012

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

31 agosto 2012

145 anos da morte de Charles Baudelaire (1867)

[...] Quem não pode fazer versos como Baudelaire pode, porém, tingir os cabelos de verde. [...]

(Fernando Pessoa, “A Imoralidade das Biografias”,
Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VI, 12, p. 132)

28 agosto 2012

263 anos do nascimento de Johann Wolfgang von Goethe (1749)

Há três tipos de cultura — a que resulta da erudição, a que resulta da experiência translata, e a que resulta da multiplicidade de interesses intelectuais. A primeira é produzida pelo estudo paciente e aturado, pela assimilação sistematizada dos resultados desse estudo. A segunda é produzida pela rapidez e profundeza naturais do aproveitamento do que se lê ou vê e ouve. A terceira é produzida, como se disse, pela multiplicidade de interesses intelectuais: nenhum será profundo, nenhum será dominante, mas a variedade alargará o espírito. [...] Vemos a terceira em Goethe, que nem tinha a erudição de Milton nem a ultra-assimilação de Shakespeare, mas cuja variedade de interesses, abrangendo todas as artes e quase todas as ciências, compensava na universalidade o que perdia em profundeza ou absorção.

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VI, 9, p. 128)

26 agosto 2012

Final da Volta a Portugal em Bicicleta 2012

Fernando Pessoa a andar de triciclo
Fernando Pessoa aos 6 anos


(Fotobiografias do Século XX: Fernando Pessoa, p. 28)

23 agosto 2012

Dia Internacional de Recordação do Tráfico de Escravos e sua Abolição

[...] A escravatura é lógica e legítima; um zulu ou um landim não representa coisa alguma de útil neste mundo. Civilizá-lo, quer religiosamente, quer de outra forma qualquer, é querer-lhe dar aquilo que ele não pode ter. O legítimo é obrigá-lo, visto que não é gente, a servir os fins da civilização. Escravizá-lo é que é lógico, o degenerado conceito igualitário, com que o cristianismo envenenou os nossos conceitos sociais, prejudicou, porém, esta lógica atitude. [...]

(Fernando Pessoa, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, 72, p. 217)

21 agosto 2012

72 anos do assassinato de Leon Trotsky por agentes de Estaline (1940)

Dos Trotskys de qualquer colónia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que escrito.

(Álvaro de Campos, “Gazetilha”, Poesia, 77, p. 328)

20 agosto 2012

20 Ago. 1905: Fernando Pessoa regressava definitivamente de Durban

«Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão»*
Pintura de Norberto Nunes


* (Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 16, p. 57)

19 agosto 2012

Dia Mundial da Fotografia

Painting will sink. Photography has deprived it of many of its attractions. Futility of silliness has deprived it of almost all the rest. [...]

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 37, p. 210;
em inglês no original)




[ A pintura afundar-se-á. A fotografia tirou-lhe muitos dos seus atractivos. A futilidade da idiotice tirou-lhe quase tudo o mais. [...] ]

(idem, p. 259; trad. Jorge Rosa)

16 agosto 2012

145 anos do nascimento de António Nobre (1867)

Quando ele nasceu, nascemos todos nós. A tristeza que cada um de nós traz consigo, mesmo no sentido da sua alegria é ele ainda, e a vida dele, nunca perfeitamente real nem com certeza vivida, é, afinal, a súmula da vida que vivemos — órfãos de pai e de mãe, perdidos de Deus, no meio da floresta, e chorando, chorando inutilmente, sem outra consolação do que essa, infantil, de sabermos que é inutilmente que choramos.

(Fernando Pessoa, “Para a memória de António Nobre”, Crítica, p. 101)

14 agosto 2012

Iconografia pessoana

Pintura de Bottelho

13 agosto 2012

51 anos do início da construção do Muro de Berlim (1961)

O olhar não atravessa os muros da sombra,

(Álvaro de Campos, Poesia, 25, p. 190)

12 agosto 2012

2041 anos da morte de Cleópatra (30 AC)

Na sombra Cleópatra jaz morta
Chove.

Embandeiraram o barco de maneira errada.
Chove sempre.

Para que olhas tu a cidade longínqua?
Tua alma é a cidade longínqua.
Chove friamente.

E quanto à mãe que embala ao colo um filho morto —
Todos nós embalamos ao colo um filho morto.
Chove, chove.

O sorriso triste que sobra a teus lábios cansados,
Vejo-o no gesto com que os teus dedos não deixam os teus anéis.
Porque é que chove?

(Fernando Pessoa, “Episódios: A Múmia, II”, Poesia (1902–1917), p. 436)

Último dia dos Jogos Olímpicos Londres 2012

OLIMPÍADAS


O sport é a inteligência inútil manifestada nos movimentos do corpo. O que o paradoxo alegra no contágio das almas, o sport aligeira na demonstração dos bonecos delas. A beleza existe, verdadeiramente, só nos altos pensamentos, nas grandes emoções, nas vontades conseguidas. No sport — ludo, jogo, brincadeira — o que existe é supérfluo, como o que o gato faz antes de comer o rato que lhe há-de escapar. Ninguém pensa a sério no resultado, e, enquanto dura o que desaparece, existe o que não dura. Há uma certa beleza nisso, como no dominó, e, quando o acaso proporciona o jogo acertado, a maravilha entesoura o corpo encostado do vencedor. Fica, no fim, e sempre virado para o inútil, o inconseguido do jogo. Pueri ludunt, como no primário do latim...

Ao sol brilham, no seu breve movimento de glória espúria, os corpos juvenis que envelhecerão, os trajectos que, com o existirem, deixaram já de existir. Entardece no que vemos, como no que vimos. A Grécia antiga não nos afaga senão intelectualmente. Ditosos os que naufragam no sacrifício da posse. São comuns e verdadeiros. O sol das arenas faz suar os gestos dos outros. Os poetas cantam-nos antes que desça todo o sol. São todos peixes num aquário cuidado de além do vidro pela inteligência que lhes não toca. E a beleza deles, como a de tudo, é isto — um movimento por detrás de um vidro, um brilho de corpo dogmatizado por uma clausura.

(Álvaro de Campos, Pessoa por Conhecer, vol. II, 308, pp. 347–348)

09 agosto 2012

67 anos do lançamento da segunda bomba atómica, sobre Nagasaki (1945)

A fúria minuciosa [...] dos átomos
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,

(Álvaro de Campos, Poesia, 34, p. 254)

06 agosto 2012

67 anos do lançamento da primeira bomba atómica, sobre Hiroshima (1945)

O vento levantou-se... Primeiro era como a voz de um vácuo... um soprar no espaço para dentro de um buraco, uma falta no silêncio do ar. Depois ergueu-se um soluço, um soluço do fundo do mundo, e sentiu-se que tremiam vidraças e que era realmente vento. Depois soou mais alto, urro surdo, um urrar sem ser entre um nocturno ranger de coisas, um cair de bocados, um átomo de fim do mundo.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, 52, p. 85)

04 agosto 2012

434 anos Batalha de Alcácer-Quibir (1578)

«Pessoa e o Quinto Império»
Desenho de H. Mourato


O DESEJADO


Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!

(Fernando Pessoa, Mensagem, Terceira Parte, I, p. 165)

01 agosto 2012

Pessoa, sempre — todos os dias: Agosto de 2012

Calendário pessoano: Agosto de 2012

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

30 julho 2012

149 anos do nascimento de Henry Ford (1863)

The distance between Henry Ford and John Milton is always longer on the return train.

(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 33, p. 204;
em inglês no original)



[ A distância entre Henry Ford e John Milton é sempre maior no comboio de regresso. ]

(idem, p. 253; trad. Jorge Rosa)

26 julho 2012

156 anos do nascimento de George Bernard Shaw (1856)

Shaw’s capital fault — the capital fault of any man who may want to be considered an artist — is that he has no poetry in him. This means that he has no humanity in him.
Shaw is more like the founder of a religion than like a creator of literature, which, at any rate, he is not. He is not a [John Millington] Synge, nor even a Wilde. He has not the unopinions for that. [...]


(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, VIII, 24, p. 196;
em inglês no original)



[ O defeito capital de Shaw — o defeito capital de qualquer homem que pretenda ser considerado artista — é não ter poesia, o que significa que não há nele humanidade.
Shaw parece mais o fundador de uma religião do que um criador de literatura, o que, aliás, não é. Não é um [John Millington] Synge, nem sequer um Wilde. Não tem as não-opiniões para tanto. [...] ]


(idem, p. 245; trad. Jorge Rosa, com alterações)

24 julho 2012

Iconografia pessoana

Gravura de Valhô (1985)

22 julho 2012

Utilidade e eternidade da Arte

— Só a Arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes — tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura.

(Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, I, 1, p. 3)

20 julho 2012

Terceiro dia do incêndio que consumiu 1/3 do concelho de Tavira e 1/4 do de S. Brás de Alportel

Comandante, envio junto
Para os Bombeiros de Faro,
Um carro, à falta de assunto,
Que um assunto é sempre caro.
(Pronto-socorro não é,
Mas pronto está, como vê.)

É leve e longo, e o pessoal
É firme e disciplinado,
Nem há pane ou susto tal
Que o tire de estar sentado.
(P’ra andar, meta-o na algibeira
E ande com ele: é a maneira.)

Convém advertir também,
E faço-o sem mais demora,
A vantagem que ele tem
P’ra tempos como os de agora:
Não tem consumo ou dispêndio.

(Não o use em casos de incêndio.)

O BOMBEIRO X

(Fernando Pessoa, Poesia (1931–1935 e não datada), p. 121)

19 julho 2012

126 anos da morte de Cesário Verde (1886)

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O Livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...

(Alberto Caeiro, “O Guardador de Rebanhos, III”, Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 45)

17 julho 2012

Inauguração do troço de metro entre a Estação do Oriente e o Aeroporto de Lisboa

Caricaturista António junto a duas das suas caricaturas
na nova estação de metro do Aeroporto:
Amadeo de Souza Cardoso e Fernando Pessoa.
(Fotografia de Carla Rosado/Público)

14 julho 2012

223 anos da Tomada da Bastilha (1789)

As revoluções, como vimos, baseiam-se num sentimento forte de injustiça, sentimento que se torna geral. Ora um sentimento geral e forte de injustiça gera por força ideias absurdas. Em 1.º lugar, um sentimento forte é uma condição negativa para a lucidez; quem estuda apaixonadamente (salvo no sentido de entusiasmo intelectual) um problema, estuda-o sempre mal. Em 2.º lugar, um sentimento de injustiça envolve sempre um ódio ou rancor a quem a pratica; e a teoria nascida, ou adaptada, por esse sentimento tenderá fatalmente a ser excessiva no sentido contrário — não só a desfazer a injustiça, como a castigá-la, isto é, a ferir e vingar-se nos que a praticam, ou se supõe que a praticam. Resultará uma teoria tão injusta como a prática a que essa teoria se contrapõe. Em 3.º lugar, os problemas que uma revolução busca resolver são sempre problemas sociais, todos, por natureza, de uma grande complexidade. Ora, uma teoria de contra-injustiça, para ser geralmente sentida, tem que ser simples; porque o geral da humanidade não pode compreender ideias complexas. A teoria tem portanto que ser inadaptável à complexidade do problema.

(Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 48, pp. 258–259)

13 julho 2012

À atenção do Dr. Relvas

As qualidades mentais e morais necessárias para a conquista do poder político, ou tendentes a essa conquista, são inteiramente diferentes daquelas necessárias para governar o Estado. [...]
(Fernando Pessoa, Da República (1910–1935), 112)

11 julho 2012

Dia Mundial da População

O Universo da gente... a gente... as pessoas todas!...
A multiplicidade da humanidade misturada

(Álvaro de Campos, Poesia, 162, p. 460)

08 julho 2012

515 anos da partida de Vasco da Gama para a Índia (1497)

cidade-barco
Ilustração de Pedro Sousa Pereira
para a edição de Mensagem pela Oficina do Livro (2006)

05 julho 2012

05 de Julho de 1932: Salazar, o “Ditador da Finanças”, assume a chefia do Governo

O prestígio de Salazar não se deriva da sua obra financeira, tanto porque, sendo essa obra uma obra de especialidade, o público não tem competência, nem pretende ter competência, para a compreender, como porque o acolhimento calorosamente favorável, que essa obra teve, denotava já um prestígio anterior. O prestígio de Salazar nasceu vagamente da sugestão do seu prestígio universitário e particular, mas firmou-se junto do público, logo desde as suas primeiras frases como ministro, e as suas primeiras acções como administrador, por um fenómeno psíquico simples de compreender.

Todo prestígio consiste na posse, pelo prestigiado, de qualidades que o prestigiador não tem e se sente incapaz de ter. O povo português é essencialmente descontínuo na vontade e retórico na expressão: não há coisa portuguesa que seja levada avante com firmeza e persistência; não há texto genuinamente português que não diga em vinte palavras o que se pode dizer em cinco, nem deixe de incoerir e romantizar a frase. Logo desde o princípio, Salazar marcou, e depois acentuou, uma firmeza de propósito e uma continuidade de execução de um plano; logo desde o princípio falou claro, sóbrio, rígido, sem retórica nem vago. O seu prestígio reside nessa formidável impressão de diferença do vulgo português.

No meio de um povo de incoerentes, de verbosos, de maledicentes por impotência e espirituosos por falta de assunto intelectual, o lente de Coimbra (Santo Deus!, de Coimbra!) marcou como se tivesse caído de uma Inglaterra astral. Depois dos Afonsos Costas, dos Cunhas Leais, de toda a eloquência parlamentar sem ontem nem amanhã na inteligência nem na vontade, a sua simplicidade dura e fria pareceu qualquer coisa de brônzeo e de fundamental. Se o é deveras, e se a obra completa o que a intenção formou, são já assuntos de especialidade, e sobre os quais nem o público, que deles nada sabe, nem eu, que sei tanto como o público, poderemos falar com razão ou proveito.

De este prestígio resulta o contraste com Afonso Costa. Quando este apresentou, em 1912 (?), o seu superavit, foi recebido à gargalhada pelo público, e os seus próprios partidários tiveram de fazer esforços sobre si mesmos para ter fé na obra, como a tinham no homem. Quando Salazar apresentou o superavit, todo o grande público imediatamente o aceitou. Não foi pois o superavit, comum aos dois que provocou o prestígio: o prestígio de um, o não prestígio de outro, eram anteriores ao espectáculo financeiro.

(Fernando Pessoa, “Interregno”, Da República (1910–1935), 129, pp. 384–385)

04 julho 2012

236 anos da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776)

[...] Se alguma tendência têm os criadores de civilização, é a de não repararem bem na importância do que criam. O Infante D. Henrique, com ser o mais sistemático de todos os criadores de civilização, não viu contudo que prodígio estava criando — toda a civilização transoceânica moderna, embora com consequências abomináveis, como a existência dos Estados Unidos. [...]

(Fernando Pessoa, “O Provincianismo Português”, Crítica, p. 372)

01 julho 2012

Pessoa, sempre — todos os dias: Julho de 2012

Calendário pessoano: Julho de 2012

Os ícones de cada dia foram adaptados dos do Labirinto do site MultiPessoa.

29 junho 2012

Realistas e românticos

Realists do small things, romantics great ones. A man must be a realist to be manager of a tin-tackfactory. He must be a romantic to be manager of the world.
It needs a realist to find reality; it needs a romantic to create it. Napoleon is only a poet, Cromwell an enthusiast, Caesar a rhetorician.


(Fernando Pessoa, “Erostratus”, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias,
VIII, 33, p. 204; em inglês no original)



[ Os realistas fazem as pequenas coisas, e os românticos as grandes. Para se ser gerente de uma fábrica de tachas, tem de se ser realista. Para se gerir o mundo, tem de se ser romântico.
Só um realista pode encontrar a realidade; só um romântico a pode criar. Napoleão é apenas poeta, Cromwell um entusiasta, César um retórico. ]


(idem, p. 252; trad. Jorge Rosa)

27 junho 2012

Iconografia pessoana

«Fernando Pessoa»
Pintura de Juan Soler

24 junho 2012

Dia de “São” João

Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

(Álvaro de Campos, “Opiário”, Poesia, 5, p. 59)

22 junho 2012

379 anos da condenação de Galileu Galilei pelo Tribunal do Santo Ofício (1633)

[...] a crítica da atmosfera religiosa produz maiores espíritos que aquela que se exerce no vácuo. Kant assim surgiu.

A desastrada argumentação que citaria para o caso as circunstâncias que oprimiram Galileu e Servet, esqueceria sem dúvida que estava confundindo o predomínio religioso com a falta de civilização. São dois factos que importa não confundir. Se nós víssemos que nesses tempos as penalidades criminais eram de uma suavidade enorme, que eram de uma leniência acentuada as sentenças dos juízes, e que ao mesmo tempo esses hereges aparecessem queimados, enforcados, mortos, seria então o caso de atribuir à religião uma culpa que ela efectivamente teria. Mas a religião defendia-se, como é natural, e defendia-se com as armas do tempo; com as mesmas armas com que se defendia qualquer estado. [...]

(Fernando Pessoa, Pessoa por Conhecer, vol. II, 235 , p. 282)

20 junho 2012

Dia Mundial do Refugiado

Aguarela de Hermenegildo Sábat
(Fonte: Público)

17 junho 2012

Certezas

Distinguirei, no fenómeno chamado certeza, a parte subjectiva e a objectiva — a certeza em si, e aquilo de que há certeza. Considerada em si, a certeza nada vale. Nenhum de nós tem mais certeza de ter diante de si esta página que tem um perseguido de estar sendo perseguido por numerosos «inimigos», ou um megalómano de ser Jesus Cristo, ou Deus, ou Imperador do Mundo. O lugar das certezas absolutas, inteiras, que não sentem dúvida nem hesitação, é o manicómio.

(Fernando Pessoa, Textos Filosóficos, vol. II, p. 246)

15 junho 2012

42 anos da morte de Almada Negreiros (1970)

Pintura de José de Almada Negreiros